Acho que já lhes contei essa historinha por aqui.
Ouso repeti-la.
Motivo?
Simples. Parece-me oportuna relembrá-la diante do sentimento que ora me invade, como diria a letra daquele bolero.
Aconteceu naquela manhã dos idos de 70 e desde então passei a entender mais amplamente o teor da palavra “desacorçoado”.
Antes que meus quatro ou cinco fiéis leitores me chamem de tererê, e não juntar lé com cré, narro os fatos.
Éramos trinta ou quarenta estudantes da ECA/USP a ouvir a professora Cremilda divagar sobre os rumos do jornalismo e a importância da profissão para a construção de uma sociedade mais justa e cousa e lousa e maripo(u)a,
Estávamos no sexto ou sétimo semestre, se bem me lembro.
Muitos já trabalhavam na área. Quase todos ainda viviam a incerteza de terem ou não escolhido a carreira certa. Angústias naturais a quem tem vinte e poucos anos.
Para dar uma complexidade à nossa sina, vivíamos os tais anos de chumbo – a censura, os rigores da crise econômica e social, as dificuldades naturais do mercado de trabalho; enfim, não estava fácil pra ninguém. Imaginem pra nós!
Não lembro o motivo exato, mas em meio à fala da professora eis que o amigo Maciel fez jus às origens interioranas – ele era de Palmital –, carregou no sotaque para interromper o discurso oficial e sair-se com essa:
– Professora, vou ser sincero, ando desacorçoado com a profissão.
A classe foi pega de surpresa. Primeiro, rimos da sinceridade do amigo. Depois, creio eu, caiu a ficha e, de alguma forma, entendemos que o Maciça falava por todos nós – empacados com os rumos do jornalismo, do País e, de uma forma mais ampla, das nossas próprias vidas.
Revivo a memória daquela cena após a leitura do noticiário dos últimos dias. Tenho a sensação de que está tudo errado – e que não tem conserto: a intolerância, o ódio generalizado, a dificuldade de entender que nosso interlocutor não precisa pensar exatamente como nós, os descalabros de escândalos, a violência exacerbada em neuras que se acumulam aqui e fora daqui. Não tenho sequer coragem de nominar os fatos…
Tudo isso me faz lembrar aquela manhã que seu perdeu no mais antigo dos anos e do desabafo do Maciça e, cá estou eu a batucar essas mal traçadas, sem esperança que algo mude pra melhor. E tal e qual o amigo tudo o que quero lhes dizer, caríssimos leitores, é que também este modesto escriba anda desacorçoado que nem sabe lhes explicar o quanto.
Quem sabe amanhã eu tenha palavras mais alentadoras…
Tomara!