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Despedida de solteiro

“Da outra vez, nóis não vai mais.
Nóis não semu tatu” — Adoniran Barbosa.

Quem tem padrinho não morre pagão.

No preciso instante em que se anunciou o casamento do amigo Domingos André soubemos que outro amigo, o Marceleza, seria o grande coordenador, responsável pela noitada de adeus à solteirice do emérito causídico doutor honoris causa acima referendado. Moço bom, de ilibada conduta, próximo aos 40, mas de firme empenho em fazer feliz pelo resto de seus dias a amada, idolatrada (salve, salve) que com ele subiria ao altar de tradicional igreja paulistana, num bairro próximo ao Centro da cidade.

Maiores esclarecimentos, por favor, tentem os proclamas ou mesmo o guia de endereço…

Alguns meses separavam a notícia do alardeado matrimônio. Dias que foram preenchidos pelos freqüentes lembretes do Marceleza sobre o grande evento. A bem da verdade, esse paulistano de sotaque carioca açodava o interesse de gregos e troianos para o que de bom ali aconteceria. Enfatizava que para abrilhantar a zorra estaria ninguém mais, ninguém menos que do que Suzan Suzana, capa da renomada revista para homens e cousa e lousa e mariposa. Botem mariposa nisso, camaradas!!!

Para quem teimava em não acreditar, Marceleza chegou a mandar um email recheado de apetitosas fotos da moçoila – ao menos, naquelas imagens, bem provida em todos os quesitos, com destaque especialíssimo para a comissão de frente. Houve quem dissesse haver um tantinho de silicone ali, mas ninguém reclamou. Até porque no quesito harmonia, a moça também era nota 10.

— Quem vai entrar no ‘rachid’?

Era a pergunta que o Marceleza fazia sempre que nos via e, bate-pronto, falava sobre a tal despedida de solteiro. De início, eu e mais alguns incautos amigos imaginamos que ele queria sacanear algum ‘brimo’.

— Como assim? Entrar no ‘rachid’? Tô fora…

— Não é nada disso, meus queridos. É que a moça é ‘especialize’ e tem lá seu cachê. Trezentinho e não se fala mais nisso, dizia o Marceleza, com toda a certeza do mundo.

Pelo Domingos André e também pelos interesses pessoais de cada um de nós, admitimos topar a parada.

— Deixa comigo. Eu e um grande amigo-quase-irmão do Domingos vamos tratar disso. Todo mundo vai se dar bem e depois um alvará desses não é sempre que aparece. É pegar ou largar, insistia.

Ninguém pegou, mas especialmente eu preferi não largar de vez.

— Quer dizer, talvez, quem sabe, é possível, vou ver…

Voaram as semanas, escafederam-se os dias. Eis que na manhã de uma enigmática terça-feira, véspera de feriado, recebo o telefonema revelador.

— Professor, aqui é o Tarantim, amigo-quase-irmão do doutor Domingos André. Estou lhe convidando para participar da reunião de hoje à noite. Como o senhor sabe, o casamento já é neste sábado. Resolvemos antecipar o encontro de congraçamento em função do feriado. Fica melhor para os participantes. Vamos nos encontrar às 20h30 no Center Norte para facilitar a todos. Virá um amigo do doutor de São José dos Campos (entendi logo: era o Marceleza e muito provavelmente elazinha), por isso é melhor que nos encontremos num local de fácil acesso.

Agradeci a lembrança e tentei ser tão formal como o anfitrião.

— Estarei lá pontualmente. Domingos André é meu grande amigo-quase-irmão”, respondi.

No ato liguei para o Marceleza.

Meu lado Odair José (“Eu vou tirar você deste lugar”) estava impossível de controlar. No que ouvi o carioquês inconfundível (‘Fala cumpadi’) do outro lado da linha, mudei a pergunta.

— Marceleza, seguinte: o amigo-quase-irmão do Domingos me ligou. É hoje a bagaça. E aí?

Silêncio absoluto do outro lado da linha. Estranhei.

— O ‘cumpadi’, justo hoje. Estou preparando o quarto da herdeira. Pô, dureza vida de futuro papai.

Não toquei de propósito no nome de Suzan Suzana. Resolvi me prevenir.

— Se você não vier, avisa logo. Assim não pago o mico de ir num lugar aonde não conheço ninguém.

Desconversou e engatou outros causos divertidos.

Desliguei tranqüilo e algo curioso. O cara não sabe disfarçar, pensei. Estava armando alguma. Se não viesse para São Paulo, óbvio, me avisaria. Só podia ser. Ele traria a moça…

Parte 2 – O que não é pra ser, não é…

Oito e meia em ponto estou no Center Norte. Não me perguntem porquê. Mas, numa linguagem bem Globo Rural, já germinava em mim a semente da inglória noitada. Não havia qualquer sinal de vida da turma. Mais de uma vez passou firmemente pela minha cabeça a idéia de debandar. Resisti bravamente. Um amigo é p’outro. Meu combalido coração já havia intuído a verdade absoluta.

Nove horas.

Decidi tomar um café, desligar o celular e me mandar. Deveria ter invertido a ordem. Um bando de sorridentes barbados, tendo a frente um heróico Domingos André despido do terno e da gravata invadiu aquela pobre praia dos paulistanos da Zona Norte. Nem sinal do Marceleza. Mas, ele chegaria. Quer dizer, acho…

Fomos breves ali. Logo, uma caravana de carros rumou para frente do Corinthians – eu, palmeirense, entre eles. Maior escuridão, todos parados. Esperávamos outra parte dos convivas. Era um passa-passa de celular. Todos procuravam localizar os mais renitentes. Uns estavam em Guarulhos. Outros, na Mooca. Alguns se perderam na altura da Ponte da Casa Verde.

Notei que a cada cinco minutos, o amigo-quase-irmão do Domingos dizia para o próprio:

— Deu caixa-postal. Mas, ele vem.

Sabia de quem falavam. Ele não viria. Suzan Suzana virou fumaça nos meus sonhos. Tudo o que queria agora era sair dali.

Saímos, todos. Mas, não rodamos muito, não. Paramos num posto logo no começo da avenida Aricanduva. Agora, restava esperar uma terceira penca. Descemos dos carros. Seria, digamos, o aquecimento etílico.

— A primeira rodada de cerveja é por minha conta, disse simpaticamente um dos desconhecidos, que segurava o cigarro daquele jeito inconfundível, entre o polegar e o indicador.

Mesmo não bebendo, considerei gentil da parte dele. Minutos depois, ele me confidenciou o real motivo.

— Melhor pagar agora. Lá, uma latinha de cerveja não sai por menos de cinco paus.

Achei melhor conferir com o organizador da bagunça. Esquisito, muito esquisito o “Lá” do homem. O amigo-quase-irmão foi claro na resposta.

— A gente pensou em algumas casas nas imediações dos Jardins. O doutor merece. Mas, um amigo nosso conhece um lugar bem legal aqui mesmo, um pouco pra lá de não sei onde. Que é a mesma coisa, só que bem mais em conta.

Entendi.

Parte 3 – Prólogo

Dez e pedradinha, nem sinal do Marceleza. Cerveja rolando.

Todos riam desbragadamente. Não sei dizer o que pensava. Sentia-me um ser inanimado, um vegetal. Uma sambabaia, talvez.

Apareceram mais quatro carros. O grupo estava fechado. Finalmente.

Um dos recém-chegados foi direto para o amigo-quase-irmão e organizador.

— Vai falar do Marceleza e da Suzan Suzana – pensei, tolamente.

Aliás, todos que aqui me lêem sabem: tenho uma tendência a imaginar coisas…

— Vambora, gente, vambora.

Estava num torpor próprio dos desvalidos quando o grito de debandada geral me despertou.

— Vambora, gente, vambora.

Fez-se uma longa e sinuosa fila de carros. Não sei precisar quantos. Saímos ruidosamente do posto. Seguia bovinamente a turba sozinho no meu carro. Buzinaço. Sinais de farol. Uma farra. Senti um gosto amargo ao deparar-me com uma placa “Não sei o quê, Não sei o que lá e Cangaiba”.

— Quem tem um amigo como o Marceleza não precisa de inimigos, resmunguei para mim mesmo. É a cara dele aprontar dessas. Imaginei a cena do do ‘rei das paradinhas’ às voltas com berço, cortinas, móbiles. A preparar o quarto da herdeira, a bela Sofia, que logo chegaria.

Claro que o perdooei na hora. E ri da minha própria ingenuidade…

Olhei o relógio do carro: 23h47. Cangaíba é demais (que me perdoem os cangaibenses). Não resisti à primeira sinalização de ‘Radial Leste – Retorno’. Numa rápida manobra abandonei a comitiva dos amigos dos amigos do amigo-quase-irmão do Domingos.

Há tempos não me sentia tão senhor de mim, das minhas vontades e querências, com uma simples manobra. Aliás, preciso fazer isso mais vezes na vida…

Além do que, ponderei: a tal da Suzan Suzana nem era tudo isso.