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Dia de decisão

A cena escapou ao tatibitati das sessões no Congresso. Não sei se vocês, meus caros cinco ou seis leitores, se recordam.

O ex-ministro José Dirceu estava depondo sobre o possível envolvimento no escândalo do mensalão. Era argüido por parlamentares em tom incisivo, mas dentro dos tais padrões de civilidade que a Casa impõe. Até que chegou a vez do então deputado e inimigo visceral Roberto Jefferson. Estava na primeira fila, portanto há apenas alguns metros de Dirceu. Os olhos esbugalharam-se, a expressão se fez ameaçadora e a voz parece ter saído da mais profunda caverna da alma.

— Temo pelo que possa vir a acontecer toda vez que encontro Vossa Excelência. Sua desfaçatez revira os meus instintos mais primários…

Creio que nunca as reticências encaixaram tão bem a uma frase. Não guardei as palavras exatas. Mas lembro do “Vossa Excelência”, dos “instintos mais primários” e de que temi por um trágico final.

Na hora em que assisti à cena, lembrei de que já havia ouvido algo parecido em algum lugar. Mas, seguramente, em outro contexto. Uma ‘buscazinha’ nos velhos recortes de jornais que guardo – e lá estava uma fala similar do cantor/compositor Gilberto Gil. Ele acabara de compor uma canção sobre um boleiro famoso à época, um misto de futebolista, intelectual e médico, o meio-campista do Botafogo, Afonsinho.

O samba era em forma de carta e começava assim:

“Prezado amigo, Afonsinho.
Eu continuo aqui mesmo
aperfeiçoando o imperfeito
dando um tempo, dando um jeito,
esperando a perfeição.”

Numa das tantas entrevistas, um dos repórteres perguntou a Gil se gostava de futebol. Havia uma certa ousadia na indagação e explico o porquê. Durante os anos 70, o esporte mais popular do País foi estigmatizado junto à inteligência nativa. Diziam os intelectuais que o futebol servia “aos interesses dos militares”, era um instrumento “de alienação das massas”, “o ópio do povo”.

Como de costume, Gil foi sincero. Respondeu na linha de Roberto Jefferson. Gostava, sim – e muito. Era Bahia ou Vitória, não lembro. Mas, preferia não acompanhar o dia-a-dia do Planeta Bola. Primeiro, porque viajava muito. Depois, porque mexia com suas “emoções mais primárias”.

Quem diria?

Um ponto quase comum entre Gil, Jefferson e eu.

Pois é.

Nessa manhã de domingo, há algumas horas da primeira partida das finais do Paulistão 2008, não tenho cabeça para outra coisa. Não consigo fazer nada – ver TV, ouvir música, ler um livro – que não seja pensar na decisão.

Devem ser as tais emoções primárias que o poeta falou.

“Quando surge o alvi-verde imponente
no estádio onde a luta o aguarda…”

Longe de mim parecer com o deputado. Toc, toc, toc.