Foto: Divulgação
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O pai era uma figuraça.
Tinha um tipo sóbrio, de poucas palavras. Mais ouvia que falava.
Prestava uma atenção danada em tudo e se expressava só com um menear de cabeça. Ora aprovando, ora discordando do teor da conversa.
Malandro do bem, o Aldão aproveitava esse, digamos, carisma para divertir-se à sua maneira.
Sua especialidade era contar uma lorota daquelas em tom sério e monocórdico que lhe era peculiar.
Foi assim que, certa noite, numa roda de amigos, ele disse, assim do nada, que era primo em primeiro grau de ninguém menos que o ator ítalo-americano Dean Martin.
Explico que. à época, Dean Martin fazia estrondoso sucesso nas telas dos cinemas do mundo todo na celebrada e inesquecível parceria com o notável Jerry Lewis.
Como prova irrefutável do que dizia, acrescentou o fato de que, na verdade, o nome real do ator, cantor e apresentador era Dino de Martino e, assim como o pai, nascera no ano de 1917.
Fez-se um silêncio maroto no salão do fundo do bar Astória.
A italianada desconfiou da malajambrada prosopopeia, mas, sabem como é? A tradição da Velha Bota determina que, com essas coisas de família, não se brinca.
Se o Calabrês (apelido do pai) estava dizendo…
E o pai empolgou-se com a papagaiada.
Inventou que o irmão mais velho do vô Rodolfo não se adaptou ao Brasil, “terra estranha, sem neve e infestada de mosquitos”, e foi morar nos Estados Unidos e lá, sim, poderia “fazer a América”, sonho maior de todos os oriundi.
É certo que não havia Google, Wiquipédia, essas coisas…
Mas, bastaram alguns minutos e outra rodada de cerveja para os italianos, puxados pelo Sr. Garófalo, descobrirem e brindarem a troça do pai.
– Se o Aldo é primo do Dean Martin, como diz, eu sou irmão do Frank Sinatra. Brindemos!
Aí, foi a vez do Armando, de cabelos retintos de um acaju de fazer inveja ao arco-iris, pedir a palavra:
– Se o Aldo é primo do Dean Martin e o Garófalo é irmão do Sinatra, eu sou afilhado do Humprey Bogart. Tim tim!
O Patara também aproveitou a deixa:
– Se o Aldo é primo do Dean Martin, o Garófalo é irmão do Sinatra e o Armando Caju, afilhado do Bogart, então, meus caros, eu sou o próprio Fred Astaire. Brindemos!
E saíram todos a dar piruetas entre as mesas naquela noite que se perdeu nos escaninhos do tempo.
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Por que lhes conto essa historieta?
Hoje é domingo, dia que essa turma se encontrava no Bar Astória, ali, na rua Lavapés. Para jogar Patrão e Sotto, beber e beber, lembrar as coisas da Itália distante e, principalmente, saudar a alegria de viver.
Tinham uma leveza d’alma e senso de fraternidade que são raros aos nossos dias.
Quis reverenciá-los.
Também porque encontrei este vídeo no You Tube e quis compartilhar com os amigos:
*A propósito, o nome de batismo de Dean Martin é Dino Paul Crocetti. Nada de Martino, de onde o pai tirou essa, eis o mistério… Mas, valeu uma noite divertida e esta crônica que é pura nostalgia.
O que você acha?