São Paulo comemorou 430° aniversário, com uma inesquecível manifestação em favor das diretas para Presidente
Uma extraordinária manifestação pró-diretas reuniu, na tarde de quarta-feira, 300 mil pessoal na Praça da Sé. Foi o ponto alto das comemorações da cidade (430 anos), com a participação de políticos de todos os partidos (inclusive, os dissidentes do PDS), artistas e líderes de entidades, além de cinco governadores de Estado: Franco Montoro, de São Paulo; Leonel Brizola, do Rio; José Richa, do Paraná; íris Rezende, de Goiás; e Nabor Júnior, do Acre. Ao final da grande festa, ainda entusiasmado pelos resultados obtidos, bem acima das expectativas, o presidente do PMDB, Ulisses Guimarães, alcunhado de Cidadão Diretas, afirmou com convicção: “Ruiu o Colégio Eleitoral. Hoje, em São Paulo, foi legalmente aprovada pela vontade popular a emenda que traz de volta as eleições diretas para Presidente da República”.
A euforia de Ulisses Guimarães era compreensível. A esperança de melhores dias estava na Praça. Os organizadores anunciavam que o público presente era superior a 420 mil pessoas. Entre jornalistas e analistas políticos, os cálculos giravam em torno de 250 a 300 mil manifestantes. No entanto, todos concordavam: estava acontecendo o maior ato público da história política do Brasil.
O prefeito Mário Covas, um dos oradores, não deixou por menos: “São Paulo, mesmo no dia de seu aniversário, dá um notável e histórico exemplo a todos os brasileiros. Pelas diretas já!.”
Gente, faixas e bandeiras – Comandado pelo radialista Osmar Santos, o comício-monstro começou por volta das 16 horas. A Praça da Sé e imediações estavam literalmente tomadas de gente. Com faixas e bandeiras de todos os partidos a saudar a participação popular.
O cantor/compositor Moraes Moreira foi o primeiro a se apresentar. Cantou o Frevo das Diretas e sacudiu a todos com o refrão “Eu quero votar/ eu quero votar/ pra presidente”. A seguir, em pronunciamento curtos e, não raras vezes, contundentes, foram intercalando-se políticos, autoridades, líderes estudantis, sindicalistas e artistas – Gilberto Gil, Sônia Braga, Cristhiane Torloni, Paulinho da Viola, Irene Ravache, Chico Buarque, Fernanda Montenegro, Belchior, Fafá de Belém (numa tocante homenagem a Teotônio Vilela), entre outros. Todos basicamente repetiam as mesmas palavras de ordem: de crítica ao governo federal, pela democracia plena e de otimismo na realização das diretas em 85. Nem mesmo a chuva fez com que a multidão arredasse o pé da Praça. Ou mesmo deixasse cair o entusiasmo, com que acompanhava os refrões e os discursos.
Às 17h30, chegaram os governadores, mais o presidente regional do PDT, Rogê Ferreira, e o presidente do PT, Lula. Todos falariam na parte final da manifestação. A essa altura, registraram-se algumas ameaças de tumulto entre o público. E a invasão do palanque e da área reservada às autoridades e Imprensa não pôde mais ser controlada. O governador Franco Montoro chamou a atenção dos organizadores que as falações estavam longas demais e os governadores não poderiam se atrasar. Tinham que retornar aos seus Estados ontem mesmo. Muito dos oradores inscritos, então, abriram mão do seu espaço, enquanto a organização do evento solicitava a todos que os pronunciamentos fossem
os mais breves possíveis. Aspiração legítima: eleger o Presidente
Às 19h05, ao som do hino nacional, com todos de mão dadas e erguidas, encerrou-se o comício pró-diretas. Para o governador de São Paulo, foi a comemoração mais impressionante que já viu em sua longa vida pública. “Na Sé não estavam 300, 400 mil paulistanos; mas, sim, 130 milhões de brasileiros.”
O governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, um dos mais aplaudidos, também revelou-se impressionado. E certo de que no Rio, dia 25 de março, haverá
outra manifestação igualmente histórica para eleger o Presidente. “Todos os partidos de Oposição estão conscientes e juntos para expressar a legítima aspiração de toda a Nação”.
Depois de enumerar para o público uma série de equívocos e erros do governo nos últimos anos, Lula, o mais festejado dos oradores, destacou: “Não adianta nada dizer que este País não tem jeito. Este comício prova que o povo é ordeiro. E sabe o que é melhor para ele.”
Rogê Ferreira, por sua vez, se disse recompensado por acreditar na gente de São Paulo. “Provamos hoje que o processo das diretas é mesmo irreversível.”
Um contraponto à tese de Rogê. De Brasília chegava a informação de que o ministro da Justiça, Abi Ackel, definiu a manifestação com indiferença.
Um ato comum e corriqueiro na vida nacional- assinalou com ironia.
CARO LEITOR — As reações de pouco caso dos homens ligados ao Planalto, em relação ao êxito da manifestação pró-diretas, realizada quarta-feira em São Paulo, são perfeitamente compreensíveis – e já de antemão esperadas. Não é de hoje, aliás, o hábito que estes senhores cultivam de andar em sentido inverso aos mais justos desejos de nossa gente. Não seria agora que iriam mudar, confere?
Com efeito, sem nos enganarmos num otimismo impensado, creio ser bastante sensato que a tranqüilidade é aparente, superficial. Está cada vez mais difícil explicar o inexplicável. Como justificar uma inflação de 212 por cento ao ano, sem reconhecer erros gravíssimos na linha econômica adotada pelo Governo? E o desemprego? E a dívida externa – absurdo dos absurdos? E a situação de calamitosa penúria que hoje vive expressiva parcela dos brasileiros?
São, na realidade, perguntas que permanecem sem qualquer resposta convincente.
Assim como hoje soa de forma bastante artificial a eleição de um presidente da República por via indireta. Com base unicamente no parecer de um Colégio Eleitoral, colocado desde já sob suspeita. Fica difícil referendar um Presidente da República que não tenha o apoio da opinião pública. E sabe-se que 90 por cento dos brasileiros é francamente favorável às diretas. E certamente não verão com simpatia alguém que assuma em Brasília, sem qualquer consulta popular.
Outro ponto a ser colocado em discussão. Em 86, o Congresso Nacional vai ser alterado, com as eleições de deputados e senadores. Com a projeção e o acirramento do caos econômico e social, é bastante plausível acreditar que o partido situacionista não consiga evitar nas urnas uma derrota ainda mais fragorosa. E, sem o auxílio de expedientes casuísticos, certamente o PDS perderá sua hegemonia no Congresso Nacional.
Então, como ficamos? Sem o aval popular, com o Legislativo francamente oposicionista, o sucessor de do presidente Figueiredo e seus auxiliares, indicados para dar continuidade às linhas mestras do Governo atual, vão enfrentar uma situação hostil e nada, nada adequada para administrar um país que atravessa a mais grave crise de sua história. Seria bom que os congressistas pensassem, com seriedade, nestas possibilidades. Estamos em tempo de mudar as regras do jogo. Não se trata, pois, da veleidade de alguns próceres oposicionistas. Nem está em debate o interesse de alguns oportunistas. A voz de todos os brasileiros fala mais alto, como se ouviu quarta-feira na praça da Sé. Não há outra saída para o impasse. É diretas para Presidente. E pra já!
*Gazeta do Ipiranga