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Do micro para o macro

O (até então) respeitável senhor invadiu a velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor com os olhos estalados. Estava esbaforido e queria falar. Falaria tudo. Ocupava um alto cargo em uma instituição pública local e agora, injustamente, lhe acusavam de levar ‘bola’ em algumas tramoias, como se fosse ele o único e o grande mentor da negociata.

Tinha muita gente nessa história, gente graúda. O que ele fazia era pegar daqui e levar pra lá. Agora só ele aparecia como bode expiatório. Não, isso não. Não ia ficar assim. Estava com o cargo e a reputação ameaçados, seus inimigos queriam levar o caso aos jornais da metrópole – esses mesmos, veja que injustiça, que nunca se dispuseram em ouvi-lo.

Se deixássemos, iria botar a boca no trombone.

II.

Resolvemos ouvi-lo.

É a função do jornal e dos jornalistas.

Tomamos alguns cuidados.

Levamos o senhor para a sala onde habitualmente fazíamos as entrevistas, preparamos a trapitonga toda para gravar o depoimento e, quando demos início à conversa, o digníssimo começou a ratear.

Discursou sobre a sua trajetória como homem público, os bons serviços prestados à comunidade, a ligação com as diversas associações representativas locais e cousa e lousa e maripo(u)sas.

Agora (idos de 80), estava pensando em se candidatar a vereador, mas…

III.

E as denúncias?

Que denúncias, meus caros?

Lembramos a ele o que acabara de nos dizer minutos atrás, antes do copo d’água que lhe oferecemos para abrandar a sede, o espírito atormentado e recuperar a cor, pois estava lívido.

Não, amigos, não.

Vocês entenderam errado, o que disse era o que poderia vir a acontecer se não fosse o homem íntegro que sempre foi.

Olhamos uns para os outros.

Agradecemos o depoimento do amigo (sic!), sua disponibilidade em nos falar e o dispensamos.

– Tem angu nesse caroço – argumentou o Devito com sua natural habilidade em inverter os ditos dos provérbios.

O Nasci foi mais pragmático, e objetivo:

– Talvez ele perca os anéis, mas pensou melhor enquanto nos falava e preferiu preservar os dedos.

IV.

Colocamos uma de nossas melhores repórteres na captura das provas do que o senhor ameaçou nos dizer – e não disse. Mas, por força do silêncio de todos, não conseguimos as tais provas cabais.

Desistimos da matéria.

Ao cabo de algumas semanas, o homem foi transferido para outra área da repartição em local bem afastado do nosso velho Ipirangão.

E a vida continuou como se nada houvesse acontecido…

O Nasci ainda deu algumas estocadas no assunto na coluna que assinava, mas nada apuramos. Só sabíamos que a coisa ia além da nossa vã compreensão.

V.

Por que lhes conto essa história hoje?

Do micro para o macro, eu diria!

Observo a repercussão das notícias sobre a prisão do ex-deputado Eduardo Cunha e vejo expectativa de que uma eventual delação (premiada ou não) ponha em xeque todos os esquemas de corrupção que envolve a vida pública nacional.

Não sou tão otimista assim.

Entre angus, caroços, dedos, anéis e medalhões, há muitos interesses a se preservar entre os tais e quais que hoje mandam e desmandam neste Brazilzilzil.

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