Calma, leitores, calma…
Só vou tentar relatar aqui um pouco da minha trajetória na área de repórter de cultura, especializado (ou o melhor seria dizer, esforçado) em música popular brasileira.
Deixa eu explicar.
Hoje, a partir das 19h30, vou estar no curso de Jornalismo Especializado, da pós-graduação da Universidade Metodista. Eu, que sou palestrino, acumularei então a função de palestrante, com muita honra, diga-se. Falarei exatamente sobre o que escrevi acima…
Fiquei superfeliz como convite do professor Heron Vargas, coordenador do curso. Afinal, como vocês podem perceber diariamente a música faz parte da minha vida. Se para Gilberto Gil foi a Bahia que lhe deu régua e compasso, para este pobre escriba as referências vieram da MPB.
Bem, mas os estudantes do pós, assim como vocês, não esperam de mim só referências emocionais. Por isso, resolvi fazer, aqui, um roteiro básico do que vou dizer ali. Isto se na hora, lá, eu nada me lembrar do que eu cá escrevi.
II.
Estou meio que enrolando, né?
Mas é que não sei por onde começar. Vamos ver…
Trabalhei como repórter e crítico de música popular brasileira por alguns muitos bons anos. Comecei em 1976 – se alguém me chamar de dinossauro, eu levanto e vou embora… – e parei ali por volta de 1993, 1993. Em 2000, ainda fiz uma reportagem que gosto muito sobre a Era dos Festivais para o Jornal da Tarde. A Globo estava lançando o último e fracassado festival e fui incumbido pelo Odir Cunha de fazer uma retrospectiva sobre o que tais manifestações representaram para os anos 60 e para a história da MPB. Escrevi duas páginas que, aliás, estão postadas aqui no ícone Leia Esta Canção.
Neste período, hora com mais assiduidade, hora com menos, escrevi para uma porção de jornais. Shopping News/City News, revista Afinal, Agência Estado, Gazeta do Ipiranga e tantos outros. Foi uma época em que se abriam e fechavam jornais especializados, um atrás do outro. Onde tinha um lá ia eu com minhas matérias e a proposta de divulgar a MPB como fonte de conscientização de quem me lia.
III.
Sim, porque nos anos 70, a ditadura grassou solta. A censura bloqueou todas possibilidades de comunicação e TV e rádio deixaram de ser parceiros da linha progressista da MPB. Foi nessa época que as editorias de cultura desempenharam papel primordial ao dar guarida (sempre quis escrever essa palavra) aos cantores/compositores considerados malditos pelo sistema.
Quem eram eles? Ora os de sempre. Vandré, Chico, Caetano, Gil, Edu Lobo, Sérgio Ricardo, oriundos dos anos 60. E os rapazes da chamada Geração de Briga – Ivan Lins, Gonzaguinha, Belchior, Melodia, Walter Franco, Fagner, Novos Baianos, Carlinhos Vergueiro, João Bosco, o pessoal do Clube da Esquina, entre outros. Foram esses que “inventaram” o chamado circuito universitário para que não ficassem à mingua (ah!, hoje mato a vontade de escrever palavras fora de uso) e a sua música não desaparecesse antes mesmo de chegar ao grande público.
Apenas alguns nomes conseguiam ‘furar’ rígido esquema. Vinícius e Toquinho, Paulinho da Viola, Benjor e Elis Regina (que insistia em cantar os novos compositores) e Gal Costa (a porta-voz dos baianos enquanto eles estiveram no exílio). As músicas que a novela massificava passaram a ser também a trilha sonora das nossas vidas. Isto, para não falar dos sambeiros Wando e Benito di Paula.
Era ingenuidade da gente? Pode ser. Mas tinha alguma coisa de mágico, de encantamento. Quase digo heróico, mas parei – seria exagero. Mas, no mínimo, a gente se sentia engajado na luta pela redemocratização do País, o que de alguma forma dava sentido e cor – mesmo com os jornais inteiramente em preto e branco – ao que escrevíamos.
IV.
De resto, era uma rotina divertida. A cada semana, entrevistava dois, três, quatro até meia-dúzia de compositores e intérpretes. Ouvíamos os discos, íamos aos shows e escrevíamos pra caramba. Nossa como escrevíamos. Um detalhe. Como gostávamos de escrever!!!
O editor sempre vinha com a mesma conversa.
— Seu texto ficou extraordinário. Quer dizer, extraordinariamente maior do que espaço que deixei na págiana. Já sabe, né? Corta!
Aí, despencávamos em argumentos e justificativas para a importância daquele lançamento. No mínimo, a história do País não seria a mesma depois de eventos como o festival Canta Brasil em 84 ou o encontro de Chico e Caetano, recém-chegados do exílio, na Bahia ou a entrevista de Elis Regina no lançamento do histórico show Falso Brilhante. O Brasil da ditadura era um falso brilhante, entende?
Como não dar espaço de uma página para o elepê Sinal Fechado de Chico Buarque? Ou não divulgar o álbum Milagre dos Peixes, de Milton Nascimento ou o delírio sonoro de Benjor em A Tábua de Esmeralda?
Só se o editor fosse um tapado, mesmo…
V.
Às vezes, eles caíam na nossa conversa. Às vezes…
Na maioria das vezes, passavam a tesoura em nossos textos. As redações têm uma hierarquia quase militar ou até mais rígida. Nosso consolo é ir para o boteco e, entre os nossos, classificar os editores como… Hum, hum, não sei se digo…
Nós os apelidávamos de CENSORES…
Mas, acho que isso não vou dizer aos pós-graduandos.
Seria mau exemplo, né?