Ô inveja…
Da varanda do apartamento no 10º andar, vejo o desconhecido caminhar pela areia, indiferente à tarde fria, de chuva copiosa, típica deste fim de férias, fim de julho.
A praia parece deserta – e nem poderia ser diferente.
Chove copiosamente, como disse.
Percorro com meu olhar a faixa de areia molhada, de uma ponta a outra.
Me intriga a estóica figura de um homem que segue pela praia, a passos regulares, lentos, como se fosse ele o único sobrevivente do dilúvio, que encharca terra e mar.
Estava às voltas com meus pensamentos e temores, embalando ausências e lembranças nas ondas assimétricas, curtas, que mal chegam à praia.
Admirava o toque do vento nas folhas, a névoa que engole a linha do horizonte e o nada em que tudo acaba por se transformar.
De repente, entra em cena o Dom Quixote, de sunga e camiseta – e lá se vão minhas divagações.
O homenzinho preenche de vida a inútil paisagem.
Não sei o que o leva a caminhar na chuva. Se está ali por acaso, por hábito, por gosto ou mesmo por recomendação médica.
Não sei se está ali apenas pelo delírio de ser um homem só.
Sei apenas que está ali – e o admiro e invejo.
Todo homem que caminha pela praia numa tarde fria de chuva é um homem livre.
Ou um grande bestalhão…