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Domingo é dia

Eu nunca o perdoei por não me dar os parabéns no Dia Internacional da Mulher. Nem sei o porquê estou pensando nisso agora.

Saudades? Imagina…

II.

Lembro da cara debochada que fazia ao dizer:

— Então, todos os demais dia do ano eram dedicados ao Dia Interplanetário dos Seres Pensantes e Objetivos, também vulgarmente conhecidos como homens.

III.

O bobo ria sozinho.

Depois me olhava com aquele jeito de quem era louco por mim e repetia milhões de vezes que dedicaria a mim todos os dias, os meses, os anos, os séculos, a eternidade. Dizia pessoalmente, pelo celular, pelo MSN, nos emails.

Tinha vez que eu achava brega, sabe? Pegajoso.

Mas adorava ouvi-lo dizer aquelas coisas e outras tantas que me dizia.

Aliás, ele tinha o dom.

IV.

Ele fazia o gênero descolado, mas sério, charmoso. Metido a saber de tudo.

Diferente de mim que sou barulhenta, inconsequente.

Quando começamos a sair, deixei claro que éramos “amigos casuais”. Vinha de um tropeço amoroso e não queria me enroscar em outra roubada tão cedo.

Não disse nada – apenas me olhou daquele jeito que falei antes.

V.

Deixamos que as coisas acontecessem – e acontecerão. Uahu! E como acontecerão!

Levávamos nossas vidas. Tínhamos os nossos mundos. Mas, sempre que nos encontrávamos era show. Me assustavam a sensação de proteção que ele me dava e a vontade de ficar por ali, de me envolver pra valer.

Falávamos horas diárias. Gastávamos uma fortuna em celular.

Era o nosso jeito de nos fazermos felizes.

VI.

Uma noite ele chegou de viagem e me ligou. Eu estava em uma balada. Olhei o nome no visor do aparelho – e desencanei. Como explicar a ele, sem perder o embalo, que dançava em uma festa na casa de alguém que não conhecia rodeada de figuras que acabara de conhecer na frente da loja de conveniência de um posto qualquer, onde fui tomar umas cervas com amigas que mal sabia o nome?

Sei que ele iria dizer que eu estava no lugar errado, na hora errada, fazendo coisa errada.

E daí? A vida é minha, não é?

Não atendi. No dia seguinte inventaria uma desculpa.

VII.

Não lembro quem ligou pra quem.

Desconfio que foi ele.

Sei que nos falamos. Disse que não ouvi o celular tocar porque…

VIII.

Nem deixou a frase terminar.

Respondeu que eu não precisava mentir.

Até porque andava cansado da tal “casualidade” entre nós.

— Essa história de amigos casuais é oficializar a putaria.

IX.

Grosso!

Não gostei do que ouvi.

Machista!

Não gostei mesmo.

Para ser sincera, gostei menos ainda de sentir baita aperto no peito. Um remorso que não queria sentir, ali, naquela hora e que, de boa lhe digo, começara na noite anterior e estragara o resto da minha noitada.

X.

Fiquei desnorteada.

Então ta, eu disse.

E desliguei o celular que eu não sou muito de falar como ele que tinha resposta para tudo.

XI.

Domingo é Dia Internacional da Mulher.

Nem sei o porquê estou pensando nisso agora.

Saudades?

Acho que é isso.

Pode ser vontade de revê-lo.

XII.

Não é por nada, não.

Estou bem como estou.

É só para ouvir aquelas bobagens que ele dizia e me faziam sentir um baita mulherão…

* A partir da letra da canção Pecado Original, de Caetano Velloso. Especialmente do verso final: “Mas a gente nunca sabe mesmo/ O que é que quer uma mulher”. Foto: Jô Rabello

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