Meus amáveis cinco ou seis leitores, por mais boa vontade que tenham comigo, devem me achar tantã de tudo.
Deixo claro, neste meu cotidiano blogar, que não ando nada satisfeito com a postura da Globo na cobertura da crise política que assola o País e cá estou, pelo segundo dia consecutivo, a falar de uma atração global.
Que fique claro!
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa…
O jornalismo da Vênus opacamente Platinada é uma coisa.
Outra coisa, permitam-me a quase incoerência, foi o ‘Profissão Repórter’ de quarta à noite e o episódio de encerramento da temporada da série “Pé na Cova”, que foi levado ao ar ontem e será nosso tema de hoje.
II.
Antes, faço um méa-culpa.
Não estou habilitado para uma análise profunda do sitcom. Não me arvoro a especialista de nada, menos ainda no campo da teledramaturgia.
A bem da verdade, acompanhei um ou outro episódio desta e de outras temporadas.
No entanto, e meus raros leitores sabem bem de como ajo, tudo o que me comove, de alguma forma, vai aparecer neste meu modesto diário de bordo.
III.
Então, meus caros, feito este preâmbulo, eu lhes direi:
A emoção, quem diria?, acabou no Irajá.
Claro que ver Marília Pera em cena pela última vez deu a tônica do capítulo final.
Não sei dimensionar o que representou – e representa – Marília para a história das artes do Brasil contemporâneo. Posso lhes dizer, sim, até como testemunha ocular dessa trajetória, que foi única e rigorosamente solar.
Perceber que ali, naquela preciosa narrativa de Falabella e parceiros, ela se despedia, carinhosamente, do público, do teatro e da vida foi de arrepiar (perdoem-me o clichê).
IV.
Mas, não ficou apenas nisso o último episódio.
Como não espantar-se diante daquele Brasil dilaceradamente brasileiro que nós, que nos imaginamos privilegiados, socialmente avançados, teimamos em não enxergar, em não nos vermos ali representados?
Confesso que, ao longo da trama, me ocorreu a dúvida, um tolo questionamento.
Será que é por pessoas como Ruço, Darlene, Odete Roitman, Alessanderson, Abigail, Tamanco e assemelhados que o pessoal anda fazendo manifestações, batendo panela, indignando-se e clamando por mudança?
Quais mudanças, caras pálidas?
V.
Para entender o mundo, basta falar de sua aldeia – alguém já disse lá traz. Um tal de Dostoievski.
Foi o que Falabella fez.
Aliás, penso que Falabella seja um ponto fora da curva na dramaturgia que vira e revira os dias atuais. Um Nélson Rodrigues à la Fellini. Nesta série, especialmente, um rodriguiano Fellini. Estamos todos ali, expostos, poeticamente representados. Quem não se vê ali, sinceramente, não sabe nada de Brasil, preferiria ter nascido em outro rincão.
VI.
Uma das cenas iniciais revela bem isso.
Ruço (Falabella) é procurado por um personagem na Funerária Unidos do Irajá por um senhor transtornado. Ele não quer fazer o enterro de ninguém. Quer, sim, desenterrar o bisavô.
Ruço pergunta o porquê do ato.
E o homem responde enraivecido: quer dar uma surra na ossada, pois lá nos antigamentes o bisavô italiano, no porto de Nápoles, poderia embarcar em dois navios. Um iria para a América; o outro, para o Brasil.
– Olha a escolha que ele fez. Veio para cá. Merece ou não merece apanhar?
Ruço pôs o cara para correr…
(O Brazil não dialoga com o Brasil – e vice e versa. Triste realidade.)