Foto: Arquivo Pessoal
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– Tiozão, que papo é esse tal de AI-5 que, quando um fala, os outros arrepiam?
Tenho dezenas de sobrinhos e sobrinhos netos, inclusive; de sangue ou por adoção que modestamente sempre fui bem acarinhado vida afora. Mas decididamente quem me faz a pergunta não é um deles. Sequer posso dizer que conheço o rapaz – uns vinte e poucos anos -, não sei que lugar ocupa na fila do pão, eu o cumprimento quando chego à academia (onde faço humildes exercícios para recuperar o joelho combalido), bom dia, até amanhã – e só.
Sabe que sou jornalista, não sei como.
(Talvez tenha dado uma espiadela na minha cartela de exercícios que fica num arquivo comum a todos.)
A pergunta, talvez, venha daí…
Talvez.
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A resposta, porém, sai de bate – pronto:
– É o fim da linha, meu caro. Um pesadelo…
Ele faz uma expressão de “como assim?” – e eu taco o martelo:
– É supressão de todos os valores individuais, do direito de expressão, da liberdade de imprensa, da ativação da censura, da liberação da tortura, o fim das instituições livres e democráticas e o aniquilamento dos humildes em prol dos poderosos.
Ouço um desalentado hãhã do meu interlocutor e a conclusão a que ele chega:
– Então, não é bom.
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Imagino que se deu por satisfeito porque saiu de cena, com passo miúdo, atrás de outros equipamentos de musculação para exercitar-se, longe do meu discurso.
Fiquei comigo mesmo, entre um peso e outro, a ruminar se passei do ponto.
Talvez devesse contemporizar.
Talvez eu devesse indicar um ou outro livro de História Contemporânea para que lesse sobre o assunto.
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Engraçado, como determinados temas…
Engraçado, não, pois não há nada de risível aí.
Triste, muito triste ver, como determinados temas hoje em dia são de difícil abordagem para uma conversa mais natural – especialmente diante de pessoas que mal conhecemos (algumas que conhecemos bem, também).
A gente nunca sabe pra que lado a conversa pode ir. Se devemos ser sincerões, como diz a sobrinhada querida, ou procurar uma saída à francesa, conciliatória. Um deixa pra lá ideológico.
Enfim…
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Minha conclusão foi a de que deixei de dizer o mais importante: o risco de um autogolpe e a implantação de uma ditadura à moda da casa está aí no horizonte.
O mundo ferve em manifestações populares. Por justiça social, igualdade, fim dos desmandos: Argélia, Catalunha, Chile, Colômbia, Equador, Haiti, Hong Kong, Iraque, Irã, Líbano… E quem manda hoje na Toscoland em que nos transformamos já manifestou, em várias ocasiões, admirar ( e pior: almejar) o arbítrio e o retrocesso.
Estou pegando pesado de novo?
Acho que é influência da rapaziada que pratica halteres, ali, na minha frente. Entre os fortões, o meu jovem interlocutor, sorriso no rosto, que me acena, levanta o polegar e, desconfio, me quer distante. Indiferente ao meu amargor, lá de longe, me saúda:
– Valeu, tiozão…
O que você acha?