O produtor musical e apresentador Carlos Miéle sempre gostou de cantar. Mesmo sem arriscar altos vôos melódicos, usava e abusava de imitar Frank Sinatra em apresentações divertidas em festas particulares, roda de amigos e afins. Arriscou-se mesmo em pequenos shows em casas noturnas do Rio e São Paulo.
Miéle é um talentoso show-man e, sempre que possível, lá estava ele a enrolar a língua e dançar: "New York, New York". E tome Sinatra made in Brasil na veia…
De tanto insistir, um dia belo dia – nem sei se foi tão belo assim – ele recebeu um convite para gravar um CD desse pocket-show. Simples, básico. Haveria um roteiro em que falaria da vida de produtor de nomes famosos (Roberto Carlos, entre eles) experiências televisivas (Coquetel, no SBT, lembram?) contaria piadas, histórias e, ousadia das ousadias, cantaria Sinatra.
Gravar a parte inicial foi fácil. De primeira.
Até que, dia chegou, teria que colocar voz nas músicas já previamente gravadas e arranjadas no melhor estilo das big-bands.
Miéle tremeu. Sentiu o baque.
Assim que chegou à gravadora, o nó apertou na garganta. Não seria nada. Profissional experiente, tiraria de letra mais aquela aventura. Pensava nisso quando resolveu dar um tempo no estacionamento do estúdio.
Andava pra lá e prá cá a repassar as letras das canções, rememorar onde respirava, onde soltava a voz (pequena, é verdade, mas cumpridora), essas coisas.
Estava nessa lenga quando chega ninguém menos que Gal Costa – a cantora mais afinada do Brasil, no entender do próprio Miéle e de muita gente boa. Miéle estancou como se estivesse sendo preso em flagrante. Gal sorriu ao rever o velho amigo.
— Miéle, você por aqui…
Silêncio. A voz lhe sumira da garganta…
— O que você veio fazer aqui?, perguntou ingenuamente a cantora.
Deu pra se ouvir longe o baticum do coração do homem. Que caiu, mas não vergou. Respirou fundo e respondeu:
— Vim entregar um telegrama, tentou disfarçar.
Para em seguida admitir o tamanho e a temeridade da ousadia.
Lembrei dessa história hoje. O motivo é simples. A partir das 19h30, este modesto escriba participa do seminário Grandes Reportagens, com organização da Rede Globo e da Faculdade de Jornalismo e Relações Públicas da Universidade Metodista de São Paulo. Trata-se, na verdade, do lançamento oficial de "O Livro das Grandes Reportagens do Fantástico", assinado por GRANDES nomes do jornalismo brasileiro. José Hamilton Ribeiro, William Waak, Joel Silveira, Luis Carlos Azenha, Edney Silvestre, Fernando Molica, André Luiz Azevedo, Geneton Moraes Neto são os autores. Muitos deles vão compor a mesa de debates. Como mediador, Ricardo Kotscho, um dos melhores textos da imprensa nativa.
Vou estar ali, com eles. Serei apresentado como ‘debatedor’ – seja lá o que isso quer dizer. Mas, prometo, se alguém me perguntar: "Rodolfo, o que você veio fazer aqui?"
Tenho na ponta da língua a resposta:
— Vim entregar um telegrama.
Afinal, desde já reconheço o tamanho da ousadia e da temeridade…