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E o novo sempre vem…

II.

E O NOVO SEMPRE VEM…

Os anos 60. Corridos e saudavelmente tumultuados. Musicalmente, então, eram agitados, revolvidos, revirados por movimentos que se sucediam, se intercalavam e, não raras vezes, chegavam a se defrontar. Sempre convulsionados pelas periódicas explosões dos festivais que espocavam aqui e ali – invariavelmente com grande repercussão. E de quebra, bem, de quebra ainda havia a cumplicidade e o registro da televisão.

Tempos idos e vividos. Tempos eufóricos, sem dúvida. Dos auspiciosos encontros musicais no velho Teatro Paramount, comandados por Walter Silva, o Pica-pau. Da brasilidade do Fino da Bossa, com Elis e Jair Rodrigues. Da reverência do Bossasaudade que mexeu no baú de sonhos e encantos de Elizeth Cardoso e Ciro Monteiro. Da revolução bem-comportada, inconsciente e juvenil de Roberto, Erasmo e Wanderléa, a Jovem Guarda. E do Tropicalismo até como resultado de tudo o que se fez, se assimilou, se vivenciou durante a década.

Para muitos o movimento encabeçado pelos baianos Gil e Caetano foi o clímax de um ciclo de inegável riqueza para a música popular brasileira. Quer em termos estéticos, quer em em termos culturais e sociais.

Fim da década. Emblematicamente Paulinho da Viola canta ‘Sinal Fechado’ no último Festival da Record. Eram os prenúncios de que o sonho estava prestes a se acabar. Caetano se indispõe com a uivante platéia do Festival Internacional da Canção e em pleno Maracanãzinho grita sua indignação:

“É essa a juventude que quer tomar o Poder neste País?”

Juntamente com Gil, que se limita a um fagueiro “Aquele Abraço”, parte para Londres. Antes deles, Geraldo Vandré, que entre outras questões também falou de flores, também sai do País. Motivos idênticos aos que levaram Chico Buarque para a Itália. Enquanto isso, Milton Nascimento recebe e aceita os primeiros convites para apresentações nos Estados Unidos. O mesmo acontece com Edu Lobo e muitos outros. Nada mais pode ser feito. Nada que tenha a mesma garra, a mesma carga de inovações ou sequer os mesmos compromissos e consciência.

É MAIS OU MENOS POR ESSA ÉPOCA, pouco tempo depois, que a geração de briga começa a aparecer. Vindos de vários pontos do País, cantores/compositores/músicos foram chegando em bandos, tribos ou mesmo isoladamente ao que eles próprios convencionaram chamar de Sulmaravilha.

Traziam em seus alforjes experiências diversas, muitas idéias, outras tantas emoções, sons diferentes e híbridos. Trouxeram novas canções. Ao contrario dos antecessores, os Belchior, os Bosco, os Melodia, os Gonzaguinha não adotaram uma linha definida e coletiva para o trabalho de cada um. Mesmo em grupos, preservaram a individualidade e detestavam rótulos, imposição e a alcunha de “novos”.

De cara, os obstáculos começam a pintar: a indiferença dos programadores de emissoras de rádio, o horário nobre da TV irremediavelmente perdido para a telenovela, o desinteresse das gravadoras e as mazelas empresariais.

Mesmo assim continuaram, alguns até estoicamente. E foram se impondo. Abriram e conquistaram novos espaços. Deram vez à sua música – invariavelmente elogiada pelos críticos, mas distante do grande público.

Mesmo assim, de show em show, ano a ano, sedimentaram um trabalho, no mínimo, honesto, sincero e – talvez a maior contribuição – comprometido com a realidade brasileira. Com as agruras e as preocupações de um tempo obscuro, marcado pelo autoritarismo.

— Eles são muitos, mas não podem voar, diz a canção de Ednardo.

Um exemplo típico dessa geração, o cantor/compositor Raimundo Fagner Candido Lopes, aos 26 anos incompletos, foi quem melhor definiu a posição pouco cômoda dos autores da época. Saliente-se que ele próprio agencia a própria carreira, pois reconhece que “a paciência com os mercadores da música terminou há muito tempo”.

— Eu sou um cara que consigo as coisas porque vou lá e brigo. Não quero saber se tem secretária mandando eu entrar ou não. Vou lá e pergunto qual é? Quando você conversa com esses caras de gravadoras, parece que você está falando de laranjas e bananas. Os caras que mais odeiam música são os que trabalham com ela. A música brasileira está num quase, numa véspera. O sistema é o que atrasa a explosão. Se derem vez as pessoas certas, aí o negócio estoura. Mas, do jeito que está, a gente só pode mesmo chegar no dono da gravadora e esculhambar.

Há aproximadamente dois anos, esse quase, essa véspera se fizer sentir mais acentuadamente. Em 1974, até um festival, de inglória lembrança, se promoveu para a divulgação de novos autores. Foi o ‘Abertura’, lembram? Antes disso, o mago Raul Seixas, outro ilustre representante dos malditos, liderou a lista dos mais vendidos, com ‘Ouro de Tolo’ (300 mil cópias). João Bosco e Aldir Blanc enfileiraram, no ano passado, várias composições na mesma lista ‘dos mais mais’. E, como prova indiscutível de consolidação junto ao público, nada menos que dez desses ‘recém-chegados’ lançaram elepês nos primeiros seis meses deste ano. Todos cuidadosamente elaborados e com uma divulgação alguns pontos mais atuantes.

Isso sem contar o recurso extremo: a inclusão de algumas músicas em trilhas sonoras de telenovelas, caso específico de Luiz Melodia (“Juventude Transviada”), Ednardo (“Pavão Mysterioso”) e João Bosco/Alcir Blanc (“Latin Lover”).

Inegavelmente, depois de consagrados entre críticos e celebridades do mundo musical, a geração de briga parece estar conquistando finalmente o merecido reconhecimento popular. Sinal que pode ser facilmente detectado na boa receptividade dos discos de Walter Franco (Revolver), Luiz Melodia (Maravilhas Contemporâneas) e Alceu Valença (Alceu Valença Vivo). Ou no expressivo acolhimento que o público vem dedicando às músicas de Belchior,
que contribuíram e muito para o consistente êxito do show de Elis Regina (“Falso Brilhante”) e que constam do disco “Alucinação”.

O que de certa forma atesta a predestinação registrada pelo autor cearense em “Como Nossos Pais”:

“O novo sempre vem”, mesmo que alguns anos mais tarde.

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