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Em Cartagena das Índias *

– Chilenos?

– Não, brasileiros, respondi todo espontâneo.

A moça de óculos modernos, de aros exagerados, fez uma expressão de decepção que me balançou. O Brasil é sempre tão bem visto quando viajamos e nos apresentamos como nascidos no Patropi, abençoado por Deus e bonito por natureza.

Estranhei – e ela se explicou.

Era guia de turismo e aguardava no hall do hotel onde estávamos um grupo de chilenos que iriam com ela para as Ilhas do Rosario, nos arredores de Cartagena das Índias, na Colômbia.

II.

A distinta estava impaciente.

Já havia estourado o horário, outros turistas a esperavam no micro-ônibus e nada dos patrícios do Valdívia darem sinal de vida.

Imaginei que aquele devia ser o primeiro dia da moça na função. Estava ansiosa. Assim que nos viu descer do elevador, precipitou-se à nossa frente. Agora estava ali – e era o retrato do desconsolo.

III.

Tentei animá-la – e puxei assunto.

(Foi meu erro.)

Disse que também iríamos para as tais ilhas, só que com outra turma, de brasileiros. Também estavam atrasados, mas, assim como os chilenos, logo chegariam. Nem o mandachuva da nossa viagem dera o ar da graça, era melhor relaxar.

– Quem está de férias, não usa relógio.

IV.

No lugar de acalmá-la, minhas palavras, desconfio, despertaram o instinto de competição da moça, e um exacerbado patriotismo.

– Vai ver estão tomando o café, retrucou com cara de quem prepara o bote. Que veio em seguida:

– Vocês, brasileiros, também têm café. Mas, o da Colômbia é o número um do mundo.

Falou e riu gostosamente.

V.

Assim que os brasileiros chegaram, ela incomodou-se ainda mais, creio, visto que não eram os hermanos do Chile.

Retomou a provocação:

– Brasileiros, não se esqueçam de visitar o Museu das Esmeraldas no Centro Histórico. É interessante…

… Vocês, brasileiros, também têm esmeraldas em seu País. Mas, as da Colômbia são a número um do planeta.

VI.

Resolvemos deixar pra lá a conversa e o tal museu (na verdade, uma loja que vende esmeraldas e que, nos aposentos dos fundos, simula uma mina com toscos recursos cenográficos). Queríamos mesmo enfiar a cara (e o resto do corpo) nas águas do mar do Caribe. E convenhamos não tínhamos culpa que os gringos não apareciam.
VII.

Nosso grupo fechou – e assim que o guia chegou (o nosso), tratamos de confiar a ele a desolação da colega de profissão e, queiram ou não, também a sua deselegância. Nada a ver aquela história de número um disso, número daquilo etc.

Coisa chata.

Nosso guia concordou de pronto. E quase pediu desculpas pelas brvatas da colega de profissão.

– Somos povos irmãos. Não estamos em uma arquibancada de futebol.

VIII.

Aliás, bastou ouvir a palavra ‘futebol’ para a novata se intrometer na conversa, no mesmo tom debochado dos comentários anteriores:

– Vocês, brasileiros, adoram o esporte, não? Foram campeões do mundo. Pelé, Ronaldo, Romário… Só que hoje nós, da Colômbia, temos o Falcão (do Mônaco), ele, sim, é o número um do mundo.

IX.

Que desagradável!

A moça sequer conhece o Neymar.

No entanto, foi um guapo argentino que resolveu dar um basta naquilo tudo. Ele estava meio que disfarçado de carioca em nosso grupo, mas não se conteve:

– Peralá, minha querida, em se tratando de futebol o número um do mundo só existiu um: noss deus, Maradona. Hoje quem reina é outro patrício, Messi… E ano que vem seremos campeão do mundo em pleno Maraca, morô?

X.

Não, ninguém morou, nem deixou de morar.

A vaia foi uníssona, e ruidosa.

Só parou quando ouvimos o celular da guia colombiana (aquela) tocar: “Para bailar La Bamba…”

Alguém do outro lado da linha a informou da dura realidade.

Os chilenos a esperavam, indignados com o atraso, em outro hotel, na outra ponta da praia.

XI.

Não sou de maldizer ou de desejar mal a ninguém. Mas, juro que saiu espontaneamente minha reação:

– Bem feito!

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