Tales não queria.
De tanto que Ritinha insistiu, topou ir ao aniversário da menina Letícia, filha Márcio e Fran que moram no condomínio para onde eles acabaram de se mudar.
– Eles são simpáticos, e a gente precisa se enturmar, Tales.
– Nada a ver, amoreco. Nem filhos temos. Não conhecemos ninguém lá. Vamos ficar um olhando para o outro.
Seriam “peixes fora d’água”, concluiu.
E acrescentou:
– O Márcio e a Fran nem poderão nos dar atenção. Sabe como é festa de criança, correria, confusão, copinhos de plástico, guaraná sem gelo… Vamos pegar um cineminha que é mais a nossa.
Deu por encerrado assunto.
II.
Minutos depois Ritinha apareceu na sala já pronta para ir a festinha. Tales entendeu que não haveria por onde escapar.
– Vou de bermuda mesmo, lascou conformado. Deu a noite por perdida.
Em resposta, ouviu o que não precisava, em tom de ordem.
– Troque ao menos a camiseta. Não me vá de chinelo velho, ponha uma sapatênis ao menos.
Nesses momentos, Tales perguntava para si mesmo, sem coragem de expressar em voz alta toda sua indignação:
“Onde foi que eu errei? ”
III.
Corte para o salão de festa do tal condomínio. Bexigas, figuras de princesas, castelos a enfeitar as paredes e Márcio e Fran, simpáticos como de hábito, a recepcioná-los e já se desculpando:
– Obrigado por terem vindo. Fiquem à vontade e, nos desculpem, caso não possamos lhes dar a atenção que merecem. Festa de criança é uma loucura.
Loucura, talvez não fosse este o termo exato. Tales e sua mania de se rebelar consigo mesmo:
“A insensatez é toda nossa” – pensou, mas guardou para si a piada.
IV.
Era verdadeiramente uma festinha de criança. Com tudo o que há de direito uma pequerrucha de dois anos. Piscina de bolinhas, pula-pula, escorregador, aqueles brinquedos luminosos que giram e acendem mil e uma luzinhas, carrinho de pipoca, outro de mini cachorro-quente, algodão doce, salgadinhos, sucos, refrigerantes, cerveja (só para os adultos e em copo americano) e uma trupe de palhaços e animadores, todos jovens e incansáveis na arte de entreter a garotada.
Entre os tais, Tales reparou numa ‘palhacinha’, tipo mignon, que era uma graça no trato da molecada. Rosto pintado, fantasia de losangos coloridos que se sobrepunham, o nariz de bolinha vermelha e uma horrenda cabeleira pink. Mesmo com todo esse aparato espalhava magia e encantamento. Para turminha, e em alguns marmanjos. Rapidamente se incluiu no rol dos encantados.
V.
Em meio à bem-aventurada balburdia – e de olho na Mequetrefe (o nome da palhacinha), Tales foi se sentindo cada vez mais à vontade.
Já não cogitava fugir dali rapidinho.
– A cerveja está no ponto, geladaça, justificou para Ritinha que fez menção de ir embora.
– Vamos esperar o ‘Parabéns a você’, é de praxe.
VI.
Ritinha estranhou.
Mas, habituara-se às frequentes mudanças de humor do maridão. Nunca soube que ele se divertia tanto com palhaços. Se ela não se enganava, certa vez ele lhe disse que quando criança tinha medo dos figuras.
Enfim…
VII.
Ritinha só achou esquisito quando horas depois, já em casa, surpreendeu Tales, com olhar perdido na janela, fixo no salão de festas do condomínio, a sorrir de um jeito maroto.
– Tales, está olhando quê?
– Eu?
– É. Você, aí parado olho vidrado na janela. O que está pensando?
– Pensando? Nada, amoreco, nada. É que a gente nunca sabe quando vai encontrar a felicidade.
VIII.
A frase do Tales me fez recordar um velho ensinamento do saudoso Nasci, nos tempos da velha redação:
“O amor tem múltiplas formas. Encantar-se é uma delas .”
*Foto: Camila Bevilacqua