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Era uma vez…*

Epa! Epa! Epa!

Nesse conversê sobre livros, quase deixo escapar um autor marcante na minha meninice:

Malba Tahan.

Malba Tahan, na verdade, era o pseudônimo do professor Júlio César de Mello e Souza que escrevia histórias curtas, sempre com fundamento nas tradições orientais. De primeira assim, lembro de dois títulos “O Homem Que Calculava” e “Contos de Malba Tahan”.

No entanto, uma história permanece ainda hoje em minha memória.

Não lembro o título, nem nada. Mas, a essência da história eu não esqueço.

Vou contá-la com minhas palavras.

Era uma vez…

… um poderoso rei que tinha três filhas. Por ser viúvo, decidiu que uma das filhas deveria ascender ao trono já como rainha. Para tanto, estabeleceu uma prova entre elas para que mostrassem suas habilidades e competências.

Cada uma delas deveria viajar mundo afora e lhe trazer uma oferenda. A mais valiosa delas daria a corôo à princesa responsável.

Assim que as princesas partiram, o rei virou a ampulheta a contar o tempo de ausência das filhas queridas…

Grão a grão de areia, o tempo escoou…

Ainda faltavam alguns dias quando a filha mais velha retornou. Reverenciou a presença do pai e lhe entregou uma espada cravejada em ouro e brilhante que buscou, depois de enfrentar céus e mares, nos confins de um continente distante.

O rei ficou feliz.

Esperou, no entanto, a chegada das outras duas princesas para dar o veredicto.

Dias mais tarde, chegou a segunda princesa. Ela, por sua vez, não temeu vales e montanhas, o sol implacável e o deserto, para encontrar uma prenda que fosse digna da magnificência do monarca. Trouxe-lhe um anel com a pedra de diamante de raro brilho azulado, que pertencera a um dos poderosos faraós do Egito.

Ao comparar os dois presentes, o rei hesitou em decidir-se.

Mas, ficou radiante de felicidade. Suas duas filhas o amavam.

Tinha certeza que a teceira, a caçula, não o decepcionaria. Ela, que sempre fora tão amorosa, não tardaria a chegar…

PARTE 2

Só quando os últimos grãos de areia se desprenderam da parte de cima da ampulheta – e o prazo de retorno das princesas se esgotava – foi anunciada a chegada da filha mais jovem do rei. Trajava roupas modestas, de camponesas, e contou ao pai que passara todo aquele período reclusa num convento situado pouco além da linha do horizonte, entre orações e penitências. Sob a orientação de religiosas, meditara o quê de mais valioso existe na Terra para presenteá-lo.

Ato contínuo à sua fala, tirou um pequeno pote de barro da pequena bolsa que trazia transpassada ao corpo e o entregou ao rei.

Esta era a conclusão de toda a sua meditação.

O monarca retirou a tampa cuidadosamente – e não acreditou no que viu.

Indignou-se. Como duas de suas filhas embrenharam-se em riscos e sacrifícios para lhe oferecer o melhor enquanto ela fizera tão pouco em nome do pai? Refugiara-se entre as irmãs e deixara o tempo passar sem maiores preocupações.

Reconhecido como um rei justo, porém rigoroso, decidiu castiga-la por não entender a grandeza de pertencer a família real. Pelo pouco caso que demonstrara, teria que deixar o castelo e refazer a jornada. Só retornasse quando tivesse algo verdadeiramente nobre para lhe oferecer.

Precisava dessa lição para recuperar o posto de princesa.

A mão do rei fez girar a ampulheta. Só que desta vez não haveria prazo de retorno…

O coração de pai ficou partido – mas, segundo as leis do lugar, era necessário que assim fosse.

O tempo passou lento e justo.

A perda da rainha e a decepção com a filha mais nova deixaram o soberano a cada dia mais triste. Justo ela que tanto parecia com a mãe…

Numa bela manhã depois de alguns anos, o mensageiro de um reino próximo chegou com um convite aos nobres daquele pacífico reino. Seriam as bodas de núpcias do príncipe herdeiro e muito honraria a presença de distintas famílias na cerimônia.

Triste que só ele, o rei pensou em declinar do convite. Mas as filhas – que continuavam princesas, pois ele não conseguira se definir entre um e outro presente – insistiram: era a chance que tinham para, quem sabe, arranjarem um bom casamento.

Estava mais do que na hora das moçoilas arranjarem um bom partido.

PARTE 3
Bem, continuando…

Como diz um amigo nosso, morador de São Bernardo como eu, "nunca antes na história" daquele reino distante viu-se tanta e tamanha comemoração.

As comitivas impressionavam-se logo à chega. Eram recepcionadas com festas e honrarias. Entre todas, no entanto, a que recebeu melhor acolhida foi a do rei sempre acompanhado das duas princesas. Tanto que os três ocuparam um lugar de realce no imenso salão onde se realizariam as bodas. Para surpresa geral, eles deveriam tomar assento lado a lado aos monarcas anfitriões e ao príncipe herdeiro.

Logo soaram as trombetas e se deu a entrada da noiva, com delicado véu a lhe cobrir o rosto, complemento de deslumbrante vestido. Ela, por siu só, tinha um inegável porte de rainha.

Foi uma cerimônia e tanto…

Ao final, todos foram para o salão onde aconteceria a ceia e, posteriormente, o grande baile de gala.

Antes, porém, haveria um ritual inédito. O primeiro prato seria um cozido especial, de carnes tenras, feito pelas mãos da própria noiva. Ela gostaria de oferecer aquela especiaria a um dos convidados. Por sua vez, depois de experimentado o alimento, ele deveria se pronunciar sobre o sabor e fazer um sincera avaliação.

Vocês já desconfiam quem era a noiva?

Então, também devem calcular quem foi o convidado escolhido?

Isto mesmo: o nosso amigo rei que propôs o teste para as três filhas.

Cumpriu-se o ritual.

O soberano levou o cozido à boca, deu as primeiras mastigadas e não houve como conter a expressão de desapontamento. Não saberia o que dizer.

O alimento estava insosso, sem graça, difícil até de engolir.

Que brincadeira seria aquela? Teria que ser deselegante – e dizer em público o que estava sentindo. Lembrou da decisão precipitada de tempos atrás quando não soube perdoar a própria filha. Aliás, aquela maçaroca se parecia em muito com a vida que vinha levando desde então. Uma vida insossa, sem graça…

Não foi preciso que o rei se pronunciasse. O segredo se revelou. A noiva era a princesa filha do soberano – a quem o príncipe consorte conheceu e logo se apaixonou numa visita ao tal convento além da linha do horizonte. Toda aquela encenação fora armada pela moça para que o rei entendesse a preciosidade que ela lhe oferecera naquele longínquo dia: um pote de sal refinado.

Com aquele presente, pretendeu mostrar ao pai a ciência das coisas simples, sensatas e sinceras que ele próprio a ensinara. O quanto o sal é essencial para o equilíbrio que rege a vida. Distingue a água do mar; preserva, tempera e dá sabor aos alimentos, é vital para o organismo humano e para o Planeta. Porém, precisa ser usado com equilíbrio, na medida certa. Pois, em excesso, faz mal à saúde e põe tudo a perder. Pode até matar.

Não seriam guerras (a espada) e riqueza (o anel de diamante) que a fariam uma notável rainha. Mas, sim, o equilíbrio de suas decisões…

Não preciso dizer – mas, digo – que todos viveram felizes para sempre. Os reinos se tornaram ainda mais unidos. Inclusive, as irmãs da moça se ajeitaram com outros rapazes de fina procedência. E é isso.

Prometo nunca mais tentar enveredar por histórias alheias. Deu um trabalho…

FIM

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