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Escova e a fase sem noção

“Todo mundo vê as pingas que eu bebo; mas, os tombos que levo, ninguém fala nada.”

Dizíamos, em tom debochado, que Escova era o nosso ídolo, o campeão dos campeões na famigerada modalidade esportiva de “pular cerca” e situações assemelhadas.

Ali, naquele boteco que existia na Bom Pastor esquina com Greenfeld, onde o Fábrica-Pinheiro bufava e rangia na curva e hoje se ergue, bela e formosa, a Estação Sacomã do Metrô, todos esperávamos o Escova chegar para saber – e fofocar – sobre as últimas conquistas do nosso dom Dom Juan das Quebradas e Adjacências.

Naquele fim de tarde, perdido em um dos mais antigos dos anos, o amigo surpreendeu a todos com um indisfarçável mau humor.

II.

Quisemos saber o motivo, claro. Não nos lembrávamos de vê-lo assim, tão descompensado.

Escova não se fez de rogado.

“Ando numa fase daquelas. Igual a centro-avante que não faz gol. Bate um desespero danado. Parece que não vai pingar uma bola para eu botar pra dentro… Lembram aquele Oséas do Palmeiras, quando entrou num jejum de gols que parecia não acabar nunca. Pois então… Até gol contra o cara fez para matar a fome de artilheiro. Ando mais ou menos assim. Melhor dizendo, ando muito assim…”

III.

O relato do amigo só aguçou a curiosidade da rapaziada.Que pôs pilha para que ele contasse tudo.

E ele contou:

“A primeira me disse assim: “Não vou te esquecer nunca” – e nada.

A outra foi até mais enfática: “Briguei tanto para estar aqui” – e nada.

Houve quem me abordasse de surpresa: “Me dá um beijo…”. Foi só preparar o beiço e ela completou: “no rosto”.

Uma me ligou e disse na lata: “Voltei!” – e nunca mais apareceu.

Quando encontro Fulana rimos, nos divertimos, colocamos o papo em dia, é bom e é só.

Sicrana é só me encontrar e se joga toda-toda:

“E aí, Baby, sinto tanto a sua falta…”.

Falta?

Que falta?

Não passamos da ameaça.

Beltrana pediu para eu ficar por perto. Ela é que anda longe. Inacessível.

Até aí tudo bem!

É da vida e dos desamores.

Perdi a paciência mesmo com a Mariinha. Duas horas de conversa, olho no olho, mãos gesticulando quase a se tocar, todo um climão para um romance daqueles inesquecíveis. Na hora das despedidas, dois beijinhos no rosto e o agradecimento:

“Foi ótimo conversar, com o senhor. Aprendi muito.”

Senhor, pô! Senhor tá no céu… Quebrou minha espinha, a sem noção.”

IV.

Todos rimos da verdade dos fatos que só o Escova não queria ver.

O tempo é mesmo implacável. E o mundo anda mesmo muito competitivo.

Ele zangou-se com nosso riso, e comentários.

Ainda tentou retrucar:

“Tá legal, vou ser igual a vocês. Casado, e monogâmico… Largados no balcão do boteco.”

Alguém tentou lembrá-lo que casado ele já era, e pai de duas meninas.

Mas, ele nem ouviu. Já estava de olho na tecelã, toda faceira, que passava do outro lado da rua.