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Escova e o jogão da Vila

Meu considerado amigo Escova desconsiderou.

Desconsiderou a imprevisibilidade do mundo da bola – e largou-se mundo afora no rastro de uma mulata chamada Leonor ou Dagmar.

Nem ele sabe bem ao certo.

Vou lhes contar a história como foi, segundo relato desenxabido do próprio personagem..

II.

Escova, o Dom Juan das quebradas do mundaréu, é um apaixonado torcedor do Santos.

Dos tais que nós outros torcedores chamávamos de “viúva do Pelé” até outro dia. Antes de o Peixe conquistar a Libertadores.

Pois então…

Ontem, início da tarde, não deu outra. Escova rumou célere e fogoso para a Vila Belmiro. Tinha umas ideinhas; aquelas de costume, mas não me contou.

Nem a mim. Nem a patroa, a senhora Dona Encrenca.

– Vou ver meu Santos jogar. Show de bola.

E lá se foi o moço, alegre e faceiro. Confiante em uma vitória “por goleada”.

— Esse tal de Ronaldinho já era. Já deu o que tinha que dar. Agora quem dá bola é o Santos de Neymar, Ganso e companhia.

Pois então Escova desconsiderou as voltas que o mundo dá, especialmente no futebol.

III.

Hoje encontrei o moço (já não tão moço assim) num boteco malajambrado ali pelas redondezas da Estação Sacomã do metrô, onde o tal bate o ponto desde que o mundo é mundo.

Estava desconsolado.

Em cacos.

IV.

Fui logo consolando o amigo:

— Não fique assim. O Santos já está na Libertadores. O resultado não importa. Valeu pelo resgate da magia do futebol brasileiro. Foi um jogo memorável. Lembrou os velhos tempos, concorda, Escova?

Ele balançou a cabeça afirmativamente.

Não era exatamente esse o motivo que o afligia, que o deixara assim tão por baixo.

“Não tenho onde dormir”, me confessou.

Seu drama era outro.

V.

Os deuses dos gramados lhe pregaram uma peça.

Empolgado pelos três a zero que o Santos pespegava no adversário logo aos 25 minutos de jogo, e imaginando que já vira tudo o que deveria ver ali, Escova não teve dúvidas.

Com a câmera do celular, fez algumas fotos da alegria santista, registrou a festa e partiu, pisando macio, para viver algumas horinhas de outra de suas paixões: a trampolinagem nas bocas da Baixada.

Fez e aconteceu. Nem passou pela sua cabeça conferir o resultado final da partida.

VI.

Só retornou ao lar doce lar pela hora do almoço, cantando o hino do time do coração e alardeando para a mulher e as duas filhas que o Santos era o campeão dos campeões.

"Imbatível! Imbatível!", clamou para sua desgraça.

Não teve sequer tempo de mostrar as fotos para legitimar o que diziaà família. Pratos voavaram em sua direção, atirados por Dona Encrenca que, diga-se, não é de temperamento fácil, não.

"Nesta casa, hoje, você não dorme, seu mentiroso, sem-vergonha", bradou a respeitável senhora, de péssima pontaria, diga-se também.

VII.

Só se deu conta do gol contra que fez, quando passou pela banca do Seo Osmar e viu a manchete do Lance:

“Épico. Magnífico. Extraordinário. Maravilhoso. Incrível. Sensacional”.

E a imagem do camisa 10 da Gávea.

Ronaldinho, o dono do espetáculo, autor de três gols na épica vitória do Flamengo sobre o Santos por 5×4.

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