Escova se beslicou para ter certeza que não estava sonhando.
Melhor seria dizer, se não estava tendo um pesadelo.
E dos brabos, sô!
II.
Já se enroscara em cada uma por causa de mulher… Mas, chegar ao ridículo daquela situação era demais.
Estava seminu, só de cuecas, pedalando a bicicleta (que pegou emprestada do porteiro do prédio mais próximo) em plena Avenida Paulista.
III.
Tudo tem limite.
Mas, desta vez, ele esgotara toda a cota de loucura por causa de mulher.
Estava ali, em plena manifestação dos peladões e das peladonas, pelos direitos dos ciclistas e das bicicletas.
IV.
“Queremos ciclovias.”
“Queremos ciclovias.”
Era uma “calça” justa, como dizia o amigo, o libanês Chalita, dono de uma loja de armarinho.
Decididamente, porém, Escova não tinha nada a ver com aquilo.
V.
Pior.
A ‘bandidinha’ que o levara a tamanho absurdo sumira no meio da barulhenta turma.
Procura que te procura, e nem sinal dela.
Era tão ágil no pedal quanto na arte do convencimento.
Ele não resistiu quando ela lhe sorriu, tirou o top e o shortinho que vestia e, só de calcinha, fez o convite:
— Arranje uma bicicleta, e vem.
VI.
Escova, o Dom Juan das Quebradas do Mundaréu, não pensou duas vezes.
Disse para Toinho, o porteiro, que estava ‘desapropriando’ temporariamente sua bicicleta por questões de segurança nacional.
E lá foi ele todo pampeiro, deixando parte das roupas por onde passava.
VII.
Agora, estava ali, na maior paura, sem lenço e sem documento.
Na pior das solidões.
Na ala dos ciclistas barbados tão pelados quanto ele.
VIII.
Cadê a ‘bandidinha’?, perguntava-se em vão.
E os policiais militares que acompanhavam o protesto, com os cassetetes nas mãos, a olhar para a turba cheio das más intenções.
Escova parecia ler o pensamento dos caras.
Ah! Se arrependimento matasse…
Afinal, ele tinha um nome a zelar.
IX.
De repente, não mais que de repente, em meio à confusão de aros, pernas e outras tantas partes, surge a repórter de TV (vestida da cabeça aos pés, registre-se), de microfone em punho, caminhando decidida em sua direção…
X.
Escova parou de se lamentar no mesmo instante.
Fez pose de ativista.
Bradou duas ou três palavras de ordem.
E murmurou para si próprio:
— Nem tudo está perdido…