Foto: Leila Cunha
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Escrever é sempre um ato solitário.
Mesmo quando há alguém do outro lado da tela ou próximo de nós, disposto a ler o nosso recado…
Escrever, de qualquer modo, sempre mexe com o Sr. Imponderável de Almeida que Nélson Rodrigues consagrou e, não raras vezes, revela situações outras, latentes a cada ser, sobre as quais os escritores, poetas e congêneres não têm o menor controle.
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Escrever por escrever para se fazer terno – e eterno, quem sabe?
Como o texto traduzido do inglês, sei lá quando, por Dom Marcos Barbosa (1915/1997) monge beneditino, escritor e poeta, membro da Academia Brasileira de Letras que agora tenho sob os olhos numa folha de papel amarelecida pelo tempo.
(Nem sequer lembro como e quando chegou até mim.)
Sábias palavras:
Conta no teu jardim flores e frutos
mas não conte as folhas que tombaram.
Conte os teus dias pelas horas de ouro,
não pelas que falharam.
Pelas estrelas conta a noite. E a vida,
pelos triunfos, não pelos perigos.
Não conte a tua idade pelos anos,
mas sim pelos amigos.
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Já o poeta Carlos Drummond de Andrade (1902/1987), no livro Tempo Vida Poesia diz:
O que há de mais importante na Literatura, sabe?
É a aproximação, a comunhão que ela estabelece entre os seres humanos, mesmo à distância, mesmo entre mortos e vivos.
O tempo não conta para isso.
Somos contemporâneos de Shakespeare e de Virgílio.
Somos amigos pessoais deles.
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Melhor: como sacramentou Fernando Pessoa (1988/1935):
Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.
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Não sei exatamente quantos anos eu tinha.
Dez, onze?
Quem chegou em casa com o compacto simples – novidade à época – foi a mana Doroti.
Era de um cantor cego – sim, assim que se dizia, sem formalidades – chamado Ray Charles.
Lado A: Georgia On My Mind.
Lado B: Stella By Starlight.
A mana curtia umas modernidades.
Ninguém em casa entendia inglês. Como saberíamos o que a letra queria dizer?
Ah… Tanto disco novo brazuca pra comprar. A bossa nova estava estourando…
O dinheiro é curto, Dorô.
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Bastou o disco rodar na vitrola de móvel lustroso…
Bastaram os primeiros acordes, a voz em tom de lamento, a melodia arrastada – e eu, inexplicavelmente, mesmo sem entender uma palavra do que o cantor dizia, sem saber onde era a Geórgia ou mesmo Piraporinha (que não aparece na letra, por óbvias razões)… e eu fiquei tão tocado, tão mexido…
Que, milagrosamente, compreendi exatamente o que o intérprete sentia.
Fazia mais e melhor: o sentimento era meu também, só meu…
O que você acha?