Era como se eu estivesse, ali, diante de um espelho.
Não que tivéssemos as mesmas feições, mas diante de suas confissões pude perceber o tanto que éramos (somos) parecidos.
– Sou um homem velho, disse-me.
– Somos contemporâneos, retruquei.
Ele não quis saber a minha idade. Nem eu ousei perguntar a sua. Dividimos uma rápida viagem de elevador, vinte andares abaixo, neste fim de tarde de sexta-feira quando deixávamos um desses portentosos prédios empresariais de São Paulo.
– Até que enfim, é sexta-feira – ele falou quebrando o silêncio desses encontros fortuitos, e completou:
– Fim de expediente. Ufa!
– Nem tanto, respondi. O trânsito me espera. Até chegar em São Bernardo é uma lambada e tanto.
– Desta me safei, confessou aliviado. – Moro perto. Um instantinho de metrô.
Bateu um naco inveja, mas não demonstrei, nem considerei. Gosto de morar onde moro.
Foi aí que se revelou o outro lado da moeda.
(…)
Já no saguão do térreo, enquanto encaminhávamos para as famigeradas catracas da saída, ouvi o desabafo:
– Não vou ter sossego no fim de semana. Moro perto da avenida Paulista.
– É vai ser um barulho daqueles, tentei confortá-lo, sem querer entrar nos tais meandros, digamos, ideológicos.
O senhor – livros e um desses aventais guarda-pó nas mãos – me pareceu sair de alguma sala de aula, e me pareceu cansado com a lida. Talvez o que mais quisesse mesmo fosse um tempo de descanso, de tranquilidade, para recuperar-se e encarar, na segunda, a próxima semana de árdua labuta.
– Detesto confusão.Temo quando o ódio se sobrepõe aos outros tantos valores que nos são mais importante para a construção de uma sociedade mais justa.
– Somos da geração paz e amor, acrescentei.
– Sei que algo precisa ser feito. Estamos no fim de um ciclo. Quem ganhou não se mostra à altura da vitória. Quem perdeu ainda não se conformou. Os oportunistas são os que levam a melhor nessa hora. Ando muito desiludido com tudo e com todos.
(…)
Foi a vez do meu interlocutor perceber que falara demais.
(Sabe-se lá o que eu pensava, em quem eu votara, qual o meu grau de intolerância diante do desabafo de um desconhecido?)
Já quando nos despedíamos, diante do meu silêncio, tentou se justificar:
– Sou um homem velho.
– Somos contemporâneos, retruquei.
Só não acrescentei o “tamo junto” porque, primeiro, a expressão não é do nosso tempo e, segundo, continuávamos ilustres desconhecidos um para o outro.