Quando o primeiro aparelho de TV chegou em casa, foi um acontecimento.
Era um mastodôntico objeto que exibia a marca Invictus, de tela com 21 polegadas, de profundidade infinita para acolher válvulas e um tubo ‘que gerava as imagens’ no dizer do pai, que mal e mal se equilibrava em quatro roliços pés ‘palitos’
Imagine um taco de bilhar, cortado pela metade e enroscado na base da geringonça lúdica.
II.
Pois então…
Eu devia ter cinco ou seis anos – e achei aquela novidade bem estranha.
Mesmo com o alvoroço da mãe, das irmãs e de toda a vizinhança, eu mantinha lá certa distância da Coisa. Primeiro, porque a mãe não deixava: “Pode cair em cima de você e lhe matar”. (A mãe era assim mesmo, dramática que só). Segundo, um motivo simplão: nunca entendi como aquelas pessoas entravam e cabiam dentro daquela enorme caixa.
Na minha ingenuidade de criança, várias vezes me imaginei enfiado dentro do ‘monstro’ a desvendar os bastidores de como tudo aquilo acontecia. Qual era o truque para o Roy Rogers e o lindo cavalo Tiger sair a caça de bandidos, sempre no mesmo dia da semana e no mesmo horário? Como aquele bando de cantores e músicos se reunia ali, naqueles confins, para celebrar um tal de Clube dos Artistas? E, sobretudo e principalmente, como a Lígia, a filha do dentista, a menina mais bonita da rua, aparecia quase todos os domingos em um palco, vestida de bailarina a dar piruetas e saltos, no programa chamado Grande Gincana Kibon?
III.
Como é que pode?
– Pode, bobo, é como se tivéssemos um cinema em casa – esclareceu a mana Doroti.
– Você não lembra quando assistiu ao filme ‘Marcelino, Pão e Vinho”? Então, Tchinim, é quase a mesma coisa…
Só para esclarecer: Tchinim era meu apelido de garoto.
Vou lhes confessar, então.
Mesmo depois das sábias palavras da minha irmã, houve dias em que tive ímpetos de ir pra cima da Coisa.
Sempre fui algo impulsivo.
IV.
Conto-lhes essas reminiscências por um motivo simples.
Continuo, apesar da idade, um tanto impulsivo e, às vezes, perco a paciência com a simpática trapitonga (que, nos modelos atuais, é digital, magérrima e com a tela em led).
A desfaçatez dos telejornais, na cobertura dos recentes fatos políticos, tem contribuído para a minha insanidade de incauto telespectador.
Quem se basear no Jornal Nacional e seus esquálidos congêneres para se informar sobre o que, de fato, aconteceu ontem, em Brasília, vai achar que “vândalos” e “bandidos” estavam, lá fora, nas ruas e praças – e não dentro do Congresso e dos palácios oficiais articulando falcatruas e negociatas para continuar aboletado ao Poder.
VI.
(Nada mais triste para um jornalista do que se curvar aos vis interesses de quem despreza o bem comum. E ignora a construção de um Brasil de TODOS os brasileiros.)
*Foto: Jô Rabelo