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Estudantes nas ruas…

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Devia ter 16 pra 17 anos.

Trabalhava como balconista em uma loja de discos, ali, nas imediações do Largo de São Francisco, no centro de São Paulo.

Não era lá um grande emprego.

Eu o entendia quase como uma diversão.

Ganhava pouco, mas passava o dia ouvindo música e a conversar com o amigo Diogo que trabalhava comigo, com os divertidos e piadistas lavadores de carro que faziam ponto na quebrada ali adiante e, cereja do bolo, com os estudantes do ensino médio da Fundação Álvares Penteado (especialmente as estudantes, sempre bem-vindas). Vez ou outra, fazia ponto por ali a turma  ‘cabeça-feita’da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.

Vou dizer, na sinceridade: tinha uma dimensão rasa do que acontecia no país.

Estudava à noite no Colégio IV Centenário, no Ipiranga.

Música e futebol, as minhas paixões juvenis.

Os recados à consciência social brotavam exatamente a partir daqueles encontros (mais ouvia que falava) e das canções de Chico, Gil, Caetano, Vandré e outros.

Maio de 68 me surpreendeu ali. Coincidência.

Muitos dos embates entre estudantes e policiais pelo fim da ditadura se deram diante dos meus olhos, naquele cenário tradicional, as ruas do centro-velho de Sampa.

Uma correria danada.

Bombas, cassetetes, não me lembro se tiros também (mas, sempre havia a possibilidade), pedras, um fumacê daqueles e as bolinhas de gudes espalhadas pelos estudantes numa estratégia para dificultar o avanço da cavalaria sobre eles.

Descíamos correndo a velha porta de aço. Dentro da loja, no espaço apertado entre as bancas de discos, dezenas de estudantes se abrigavam, com nosso consentimento e para desespero do gerente (esqueci o nome dele, mas recordo que era fã número 1 da cantora Nalva Aguiar).

Ficávamos por ali. À espera que o turbilhão passasse.

Os estudantes não demonstravam medo.

Conversavam animadamente.

Traziam no olhar o brilho de um sonho bom, generoso, fraterno: o fim do autoritarismo, do retrocesso e a construção de um Brasil mais justo e solidário.

Num fim de tarde, após outro rebuliço entre a estudantada e os milicos, flagrei o chefete nos dedurando para o dono da loja, o Sr. Luís.

Queixava-se que o nosso gesto era ‘da maior irresponsabilidade’. Vai que os policiais decidissem invadir a loja. Seria um prejuízo enorme – e todos nós poderíamos parar no camburão. Acusados de ‘comunistas’.

Pior:  no lugar de conferir as férias do dia, o pequenino Sr. Luís teria que, no fim da tarde, dar explicações no Distrito Policial mais próximo.

– Já pensou?

Fiquei puto! Diogo, também.

O Sr. Luís se fez de alheio à conversa. Por alguns segundos. Depois, foi sucinto no comentário:

– Se alguém pode mudar alguma coisa pra melhor nesse país, são os jovens, os estudantes. Quando saem às ruas, estão lutando por nós…

Não disse mais nada.

Pediu apenas que desligássemos o som até porque a única crítica que fazia à meninada era a música que ouvia (no momento, tocava uma balada de Nalva Aguiar) e, de resto, que fechássemos a loja.

– Vamos embora. Que amanhã é outro dia.

Os estudantes saem às ruas hoje.

Manifestam-se contra os cortes na Educação anunciados pelo Governo e por pautas, umas pelas outras, absurdamente, iguais às de 50 anos atrás.

São acusados de “idiotas”, “imbecis” e… “comunistas”.

Ou seja, nem o babaca daquele gerente foi tão tosco.

Continuo raso em termos de quase todos os assuntos e tema, nunca mais ouvi falar do amigo Diogo, do gerente vacilão e mesmo da cantora Nalva Aguiar. Mas, preciso lhes confessar que hoje penso exatamente como o Sr. Luís, a quem chamávamos de “Luisinho, o dono da bodega”, que também desapareceu na espessa névoa do tempo.

Não gosto nada da música que ouvem, mas, quando os estudantes saem às ruas, sei que lutam por todos nós.

Se ainda temos uma réstia de esperança, acreditem, vem daí… Da juventude, dos estudantes nas ruas e praças de todo o Brasil.

Foto: o Resistente

 

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