Nasci era o mestre de todos nós.
Não que sua palavra fosse lei – mas, ele entendia do risque e rabisque da vida. Por isso e por aquilo que irei lhes contar, tinha (quase) sempre a palavra final. Fosse na velha redação de piso assoalhado e janelões para a trepidante rua Bom Pastor, fosse naquele boteco onde o Sacomã torce o rabo, esquina com a rua Greenfeld, que se perdeu no tempo e no espaço para dar lugar à Estação do Metrô.
Éramos repórteres, “jovens e inconseqüentes”, como dizia o Marques, outro das antigas que habitava àquelas plagas.
O Nasci, não. Tinha uma história de vida legal. Começou como radioator, ajudou a implantar a programação vespertina na TV Record, virou produtor do Blota Júnior Show (uma espécie do programa do Jô dos anos 60) e do Sábado Com Você, apresentado por Sônia Ribeiro. Foi publicitário e cousa e lousa e maripo(u)sa.
Quando aportou como colunista no jornal, com o codinome de Zé Armando, já era o cara.
Gostávamos de ouvir suas prosas.
Ouvíamos seus conselhos – mesmo que até a página dois.
Ele era avançado para o seu tempo – e até para o nosso.
Os anos 70 não davam moleza para ninguém.
Quem os viveu sabe bem o que digo.
Quem não viveu, procure os livros do Élio Gaspari, pois só o Google não vai segurar a barra, não.
Não há receita para ser feliz, dizia.
Outra do mestre:
A pior das traições é quando traímos a nós mesmos.
Mais uma dele:
Não estique a corda que ela arrebenta sempre do lado mais fraco.
Por vezes, desconfiávamos que o Nasci tirava seus ensinamentos dos para-choques dos caminhões. (Se a gente for olhar bem, essas mensagens são os primórdios das tais redes sociais tão em voga hoje em dia.) Mas, tudo bem. Nem ligávamos. Via de regra, o Nasci acertava seus prognósticos.
Só que, às vezes, as coisas não eram assim tão tranqüilas.
Como naquela tarde em que o repórter-fotográfico Cláudio Michelli procurava o melhor ângulo para fotografar um entrevistado qualquer. Andava daqui e dali, enquadrava, desenquadrava, ameaçava usar o flash, desistia…
Vendo a sonsa dança do pavão que o Clamic exibia, o Nasci resolveu palpitar.
Deu uma baforada no indefectível cachimbo, e dissertou por minutos o que o deveria ser feito para melhor aproveitamento da luz natural que entrava por um dos janelões.
Clamic deu de ombros para as ponderações do mestre. Que insistiu em vão.
— O fotógrafo aqui sou eu, respondeu o pavio curto do Clamic.
— Vai por mim, reiterou o Nasci.
— Não vai dar certo.
As máquinas pararam diante do impasse.
O embate eclodira – era hora de assistirmos, em silêncio, o desfecho. Que se deu, acreditem, de forma surpreendente.
— Ora Clamic, eu sei o que estou falando. Montei e desmontei iluminação de estúdios centenas de vezes. Você sabe, trabalhei na TV Record na fase áurea. Eu estive lá…
— Pois é. Por isso mesmo. Se fosse bom, estaria lá até hoje.
Nem o Nasci conseguiu conter a gargalhada. Aplaudimos a xeque-mate do Clamic e demos por encerrado o assunto.