(Recuperei de memória as palavras que disse à turma de formandos em jornalismo da Faculdade de Jornalismo e Relações Públicas na sexta, dia 19 de agosto, no salão nobre da Universidade Metodista de São Paulo.)
Boa noite a todos.
É sempre muito honroso participar de solenidades como esta, especialmente na condição de paraninfo de turmas de formandos em jornalismo. Não sei exatamente o que dizer a vocês. Até porque sou o último a falar e os pronunciamentos da Alícia, da Talita e do professor Tarquini já disseram tudo ou quase tudo sobre as dúvidas, os dramas e os desafios da nossa profissão.
Aliás, me valho um pouco da fala de cada um, se me permitem, para fazer a minha fala. Começo lembrando a discussão sobre o lead que a Alícia pôs em xeque. Esta técnica foi implantada no jornalismo brasileiro na década de 50 e é fundamental para compreensão do texto jornalístico. E não se inventou nada melhor para substituí-la no sentido, inerente ao jornalismo, de contextualizar a informação. Também como a Alícia, que citou um de seus ídolos, Nélson Rodrigues, vou usar uma frase daquele que considero o melhor texto do jornalismo e da literatura brasileira contemporânea, Rubem Braga.
Recorro a frase do velho Braga para fazer o meu lead.
— Glória ao padeiro que acredita no pão.
É uma frase que professa o amor pelo que se faz e é. Sou jornalista. Estou professor. Mas, sou jornalista e ponto. Vocês, a partir de hoje, se formam jornalistas e…
Eis o desafio da geração de vocês, não só como repórteres, que é a essência do jornalismo, mas como cidadãos de um País chamado Brasil. Eis o desafio, repito. Vocês vão precisar inventar o próprio espaço de atuação e vida. Preencher com trabalho e vida o que ainda está em aberto, insinuado pelas reticências…
Como se faz isso?
Não sei. Nas salas de aula, lá estávamos por meses a fio, a discutir a questão dos pilares do jornalismo. O respeito à verdade factual. As funções crítica e fiscalizadora. A validade ou não do lead, da objetividade. As questões éticas, que são sempre mais rigorosas quando falamos do nosso vizinho ou da publicação concorrente. Os grandes jornalistas: Cláudio Abramo, Mino Carta, Cony…
Para explicar melhor o meu não sei, se é que um não sei merece explicação, amparo-me no escritor mineiro, Pedro Nava, que escreveu certa vez sobre a importância ou melhor a relatividade da experiência. A experiência, comparou ele não exatamente com essas palavras, está para a vida assim como um automóvel a transitar por uma estrada escura, com os faróis a iluminar o caminho já percorrido. O passado às claras, a sedimentar nossa história. O presente fugidio a nos escapar pelos vãos dos dedos, como contornos de cidades perdidas que sabemos existir ali na linha do horizonte, só pelo olhar. E é o avançar do carro que corajosamente projeta o futuro ainda embrenhado em sombras e incertezas… (Já repararam o tanto que existe de pessoas que gostam de viver presas ao passado, presas a preconceitos e a experiência já vividas, repetidas, mecanizadas… O tanto de pessoas que se perdem na estrada por ficar a espreita do tempo que se vai… Que não vive o presente para esperar o futuro?)
Pois bem, senhores. A Talita falou do dia-a-dia da profissão, o Tarquini lembrou a importância de se amar o que se faz. Se me permitem, vou repetir os dois e dar um toque para vocês. Um toque, sim. Não um conselho. Amem e sonhem. O amor é indispensável no dia-a-dia da profissão. É indispensável à vida, aliás. Até porque como escreveu Mário Quintana, ‘quem ama inventa o ser amado’… E vocês vão inventar um jeito próprio de fazer jornalismo. Mesmo com todas as limitações que enfrentamos. Na ditadura dos manuais, nas diversas crises políticas que o País sempre atravessou e hoje atravessa mais uma. Dura, cruel, devastadora.
Mas, reparem, como nem tudo está perdido. A notícia mais importante que li nos últimos tempos foi a descoberta pelos astrônomos daquele planeta de possibilidades impossíveis. Sabem qual? Aquele que existe onde nunca deveria existir qualquer coisa, porque as leis da física não permitem, as leis das probabilidades. Um planeta que possui três estrelas solares. Um planeta que ousei chamar de Planeta Sonho.
Olha que bela lição nos dá o universo.
Daí a importância do sonho. E nossa profissão não existe sem o sonho e a utopia de um mundo melhor. Lá no mais antigo dos anos, ainda estudante de Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da USP, fui parar num congresso de estudantes em Curitiba. Década de 70, provavelmente atrás de alguma moça que nunca encontrei. Um jeito bom de sonhar também… Mas, o que eu queria dizer é que lá ouvi um octogenário bispo de Pernambuco, dom Hélder Câmara, dar uma lição de vida e coragem aos jovens em pleno período ditatorial.
Ele citou uma frase que depois vim saber era nada mais, nada menos que a breve letra de uma música de Raul Seixas.
— Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Sonho que se sonha junto é realidade.
Esse poema/canção continua valendo. O País precisa de jornalistas que ousem sonhar. O País precisa de jornalistas que ousem transformar essa realidade. O País precisa de vocês, jornalistas.
É isso aí…