Autor: Mino Carta
A história de Rodrigo Vianna, o jornalista que ao sair da tevê Globo desvendou as mazelas da cobertura feita pela emissora durante a campanha das eleições recentes, me traz à memória fatos do meu passado remoto e nem tanto.
O único patrão com que não me indispus foi Paulinho Machado de Carvalho, tempos da velha Record. Tinha ali um programa chamado Jogo de Carta, dirigido pelo caro amigo Fernando Faro. Ia ao ar por volta das 23 horas, às segundas feiras. Nascido em setembro de 1984, à sombra da campanha das indiretas, acabou em abril de 1987 por obra das pressões do então ministro das Comunicações, Antonio Carlos Magalhães, que considerava o programa crítico demais do governo Sarney.
Paulinho resistiu meses a fio, até o dia em que eu próprio decidi tirar o time de campo. Disse a ele: “Felizmente, este não é meu ganha-pão, deixo-o em paz”.
Agradeceu e ficamos amigos.
Saí do Jornal da Tarde, o vespertino do Estadão cuja equipe fundadora tive a honra e o prazer de dirigir, sem traumas, depois de explicar à Ruy Mesquita que me chamavam os Civita da Abril para chefiar a equipe fundadora de Veja. Tratava-se de um chamariz muito forte, Veja seria a primeira semanal de informação do País. Ruy entendeu e no dia da despedida entregou-me um bilhete muito afetuoso.
Comovido, li que as portas do Estado estariam sempre abertas para o filho pródigo. Mas a amizade plantada por meu pai, Giannino, admirado, respeitado e benquisto pela família Mesquita, para a qual trabalhara por 17 anos, comigo não prosperou. Acho que, de alguma forma, não fui perdoado por ter cultivado idéias mais ou menos opostas àquelas dos senhores do Estadão.
Saí da Abril depois de ter dirigido a Veja, e de ter figurado no conselho de direção da Editora, quando os Civita entregaram minha cabeça ao então ministro da Justiça, Armando Falcão, em troca do fim da censura imposta à revista por longos anos e de um empréstimo de 50 milhões de dólares pela Caixa Econômica Federal. Quem duvida, pergunte a quem a presidia, Karlos Rieschbieter, honrado funcionário e bom amigo.
Em fevereiro de 1981 deixei a direção de Istoé, cujo dono, Fernando Moreira Salles, em meio a um simpático almoço em sua residência, esclareceu as razões da minha demissão. Entre uma garfada e outra de um substancioso risotto, apresentou três motivos. Primeiro, eu estava a me tornar para ele um segundo pai, e aquele de que já dispunha lhe bastava. Segundo, eu tinha simpatia por Lula e pelo PT, e ele pretendia aproximar-se do PMDB. Terceiro, a maioria dos colegas da redação me via como um déspota e com ele se reuniam para me espinafrar.
Este motivo, a bem da verdade, não me surpreendeu. Não é incomum que jornalistas nativos prefiram contar com o próprio patrão no comando, em lugar de um profissional. Na mesma noite convoquei-os em minha casa e lhes disse o que o acima expus. Olharam-me entre atônitos e perplexos. Quietos, quietíssimos.
E com o próprio Domingo Alzugaray acabei por me chocar. Fomos grandes amigos e juntos fizemos a Istoé, perdida quatro anos após para tapar o buraco do Jornal da República, responsabilidade minha, em primeiro lugar. Juntos, a partir de 1982, criamos a Senhor semanal, mas desta vez entrei no entrecho como empregado.
“Como empresário, você é um desastre”, sentenciou Domingo, e eu não me queixei.
Com ele, no entanto, as coisas não deram certo, sobretudo a partir do momento em que a Editora Três recuperou Istoé. Como sempre, as minhas idéias não batiam com as do patrão. Muito além das idéias políticas, as que dizem respeito à prática do jornalismo, baseadas em três princípios básicos: fidelidade canina à verdade factual, exercício desabrido do espírito crítico, fiscalização diuturna do poder, onde quer que se manifeste. Os patrões alimentavam dúvidas atrozes quanto à aplicação desses princípios. Muitas vezes exigem que os esqueçamos em proveito dos seus negócios, nem sempre límpidos, para não dizer francamente turvos.