01. A cena não deixou a menor dúvida. Veiculada em todos os canais de TV e retratada nos principais jornais do País, foi o grande estigma do Governo Franco Montoro (83/87) sempre que os opositores queriam demonstrar a fraqueza e a indecisão de seus atos. Há quem exagere e comente que toda a carreira política de Montoro ficou comprometida a partir daquela manifestação de professores, logo no início do mandato. O governador não contou com a ousadia de um grupo de militantes políticos que, infiltrados aos milhares de professores que reivindicavam melhores salários (uma justa solicitação, diga-se), avançaram às portas do Palácio dos Bandeirantes e, revelando uma aparente indignação, derrubaram parte das grades que circundeiam a sede do Governo de São Paulo. Apreensivo, junto à uma das grandes janelas laterais, Montoro assistiu à cena e relutou em dar a ordem para que os policiais agissem nos rigores da lei e da ordem pública. Dizem que o fez em nome do bom senso. Seus detratores anunciaram aos quatro cantos vestígios indubitáveis de medo e covardia.
02. Esse episódio continua a ser um momento emblemático da História recente do País. Um momento que repetiu por diversas vezes — e em formas mais trágicas como a morte dos trabalhadores de Volta Redonda em 88 e a tragédia de Eldorado dos Carajás, de triste e recente memória. Há sempre um cunho político eleitoral nessas pseudas manifestações populares por mais justas que possam parecer à primeira vista. Na verdade, muitas se revelam legitimadas pela inépcia dos sucessivos governos que ocuparam-se do Poder desde que Cabral aportou nesta santa terrinha.Todos relegaram nossa gente e suas reais querências a nada, preservando interesses que não são propriamente sociais. Ou estão bem distantes disso. Só que, apesar do vazio oficial, nada justifica o risco de uma vida humana que seja. Nada justifica a insensatez, o desvario. Democracia pressupõe a livre manifestação de idéias, opiniões e crenças. Defende a luta pelos direitos de cada cidadão. Porém, não é sinônimo de desordem, selvageria e caos.
03. O leitor mais atento já presumiu para onde encaminho essas maltraçadas linhas. Óbvio, não? Em todo o País ouve-se rumores de uma orquestração de descontentes (que inclui de sem-terra a camelôs) pronta a soprar as trombetas do apocalipse, como se assim fosse possível reverter o quadro de miséria e desesperança. Não é assim. Nunca foi assim. Não será assim.
04. A sociedade não pode ficar à janela como um governador assustado. Mas também não pode servir de massa de manobra para fins não claramente definíveis. Vivemos um ano eleitoral, especialmente efervescente pela experiência inédita da reeleição para os cargos executivos. Estamos encarando de frente o ônus da estabilização da moeda, a barra do desemprego e toda esculhambação social que nos chega a partir daí. Temos um governo "honoris causa" que mal se dá conta que a sêca do Nordeste é cíclica, mata e humilha. Apesar de tudo, ainda queremos construir um Brasil de todos os brasileiros pelos caminhos da justiça social. Mas, acreditem, não abrimos mão de nossos maiores bens: a fé, a esperança e, sobretudo, a paz.