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Folhetim: o Amor

Uma internauta me pede para escrever algo sobre o amor. Diz que precisa fazer um trabalho para a escola de idioma em que estuda – e gostaria de apresentar minhas, entendo eu, modestas considerações traduzidas para o idioma de Dante, Da Vinci e Pirandello.

Vamos ver o que sai. Vou me arriscar num folhetim, entre o real e o imaginário, à la Manoel Carlos. Até porque adoro a Itália, terra dos meus avós. Quanto à internauta, juro, não conheço.

Não se espantem, caríssimos, vida de escriba é assim mesmo, por mais modesta que seja. Uma surpresa a cada dia. Pensei que fosse falar da escalada dos presidenciáveis em busca do voto dos indecisos ou de onde veio o dinheiro do dossiê ou ainda do chumbo grosso da mídia nesta reta de chegada eleitoral. Mas, como resistir a um pedido desses? Ademais, estamos aqui para isso mesmo: servir nossos diletos leitores. E se além de diletos, melhor ainda se eles forem diretos, como a moça supracitada.

Não sei exatamente por onde começar. Poderia dizer que o amor não tem hora e lugar para acontecer. Até aí nenhuma novidade. Novidade boa é quando ele acontece – e envolve e encanta. Outro lugar comum seria dizer que quem ama o feio bonito lhe parece.Gosto dessa frase. De algum modo, até me conforta saber que ainda tenho alguma remota chance.

Sim porque o amor começa exatamente com a chance que se vislumbra de ser feliz; melhor diria, de ser plenamente feliz. “Ninguém pode ser feliz sozinho”, diz a canção jobiniana. O inverso, porém, vale frisar, é igualmente verdadeiro. O amor acaba quando não mais detectamos qualquer chance de felicidade ao lado da pessoa que outrora amamos. E aí o poeta dos poetas, Benjor, consagra um verso lapidar – e um tanto cínico, pois coloca nossa individualidade e bem estar acima de qualquer risco:

“Eu quero paz e arroz. O amor é bom e vem depois”.

Esqueci de dizer que, sei lá porque motivo, a supracitada referendou a solicitação ao intuir que sou "um profundo conhecedor do assunto”. Agradeço, mas não mereço. Acrescento apenas que, de um modo ou de outro, já cantei e recantei os versos acima em situações distintas e alternadas. Uns dias mais alegres, outros mais tristes. Já pensei que não viveria sem Fulana. Em outra ocasião, não via a hora de me livrar de Sicrana e, não raras vezes, pedi, rezei, implorei para não reencontrar Beltrana.

Canta Tim, canta:

“Paixão antiga sempre mexe com a gente”.

Não sei se tal ‘gangorra’ afetiva pode ser legitimada como um diploma de notório saber sobre o tema. Ainda recentemente fui convidado a participar de uma banca avaliadora do projeto de um livro-reportagem para conclusão do curso de jornalismo, cujo tema era ‘Amor, Lugar Comum’. Fiquei encantado com a proposta das quatro estudantes. Não sei se minhas considerações lhes foram úteis. Sei que terminei dizendo o que me veio direto do coração: “Assim como a vida, o amor não permite nota de rodapé”. Ou seja, não dá para detalhar depois. Simplesmente acontece. E salve-se quem puder…

Que mais posso lhe dizer, leitora? Aqui, do 19o. andar, vejo a neblina invadir a cidade. Alguns focos de luz tentam resistir à densa névoa branca que engole ruas, avenidas, prédios e casas. E olhe que estamos na primavera; instável, úmida, mas primavera. Em minutos essa quase-nuvem vai envolver o prédio onde moro. Enquanto escrevo, não consigo tirar os olhos da janela.

Sinceramente não sei por onde andam meus pensamentos. Sei que não estão aqui. Entendo que projetos e planos não fazem sentido e deixo-me estar dentro do imenso nada que se tornou esse sábado embaçado e triste. De repente, lembrei de uma frase de Rubem Braga: "Ah, eu sou do tempo que todos os telefones eram pretos e todas as geladeiras eram brancas". Hoje, com a devida vênia do cronista, eu poderia acrescentar, mesmo não sendo inteiramente verdade: "Todos os sábados eram alegres e ensolarados, com futebol e grandes risadas".

Exagero certamente. Eram tempos mais simples e claros. Diferentes dos atuais que traduzem e classificam o amor em formas, jeitos, maneiras, vidas. Em momentos luminosos. Ou por dúvidas nebulosas. Mas, nem sei porque tanto me estendo. Mal consigo explicar o que sinto nesse exato instante diante da janela. Sei que o gosto bom, de uma inexorável espera, me anima e inspira, apesar do clima, da preguiceira e das ausências. Como se revirasse em mim a intensa saudade de algo que não vivi – e, pelo jeito, certamente não viverei.

Restam-me, pois, os versos definitivos de Sílvio César, cantor e compositor de Pra Você. Dizem tudo sobre o amor em só uma frase: “Ah, se eu fosse você, eu voltava pra mim…”

[Texto editado e publicado no livro “Volteios – Crônicas, lembranças e devaneios”]

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