Estavam todos na festa.
Amigos de faculdade que não se viam há um bom tempo.
O tempo, inexorável Senhor dos Destinos, deixara marcas sensíveis em todos.
Ou quase todos.
O quarentão sarado, cabelo em tom acaju, era só sorrisos.
De todos ali, era o que se orgulhava em exibir a melhor forma.
Empolgou-se, e resolveu “fazer farol”, como diziam os antigos para definir os que queriam chamar a atenção.
— Antes de sair de casa fiz 500 abdominais.
Foi uma maneira de exibir-se ainda mais.
Deixar claro o bom dote físico em relação à plebe ignara.
Não contava, porém, com a observação de Laura, a mais debochada da turma.
Que, aliás, preservava o bom humor e a ironia intactos.
— 500 abdominais, é? Puxa… Com quem?
— Como assim com quem? Sozinho, oras.
— Ah, sozinho. Que sem graça…
II.
Foi numa dessas festas escolares de fim de semana.
Esses tais churrascos beneficentes, com bingo e outras chatices.
Os filhos são obrigados a carregar os pais e os irmãos e os primos e os tios e os amiguinhos e os pais dos amiguinhos…
… tudo se torna um tremendo mico.
Como só e acontecer nessas ocasiões, as crianças vão para a correria, as mulheres ficam de um lado e os homens formam a roda natural para a cerveja e o futebol.
Não precisam se conhecer. É assim que a coisa funciona.
Quer dizer, quase sempre funciona.
Em determinadas ocasiões, só uma boa dose de senso de humor para contornar os mal-entendidos
Olívio não queria ir, mas foi. Depois do terceiro ou quarto copo, já havia apertado o automático. Estava se sentindo em casa. Gostava de falar de futebol, mesmo entre desconhecidos. Soltava o verbo.
A moça simpática interrompeu a conversa dos marmanjos, com a bandeja de churrasco nas mãos. Todos cortaram o assunto e se serviram silenciosos.
Menos Olívio. Firmou os olhos no caminhar da beldade e tascou:
— Interessante. Muito interessante.
Ia arrematar com o tradicional “gostosa”. Mas, antes que terminasse a frase, ouviu Durval, o senhor robusto que acabara de conhecer, dizer assim como se nada tivesse ouvido.
— Olha, gente, antes que alguém dê algum fora, quero explicar que aquela senhora ali, de preto, é minha mãe. A outra, de lilás ao lado dela, é minha senhora e a moça bonita que acabou de sair daqui é minha irmã…
III.
Assim que viu chegar o ilustre vereador e sua tropa de correligionários, arrependeu-se.
Era a inauguração de uma super academia – um sonho antigo – e Maurílio fez questão de reunir a nata da sociedade local para referendar a festa e atrair uma clientela de primeira.
Convidou esportistas, atrizes e celebridades de diversos segmentos. Alguém lhe disse que um legítimo representante do Poder Público daria um charme à festa e ao projeto.
Fez o convite.
Agora, arrepiara-se com a suspeita de que fizera bobagem.
O melhor que poderia fazer, àquela altura do campeonato, era recepcionar a turma e deixar claro a regra do jogo.
Foi o que fez.
— Olá gente. Bom que vocês vieram. Fiquem à vontade, ok?
Disfarçou e, entre um aperto de mão e um tapinha na costa, fez a observação.
— Tomem cuidado. Não mexam com as moças porque há muitas filhas de amigos meus por aqui. De resto, divirtam-se.
Mal terminara de falar, um simpático aspone fez questão de corroborar o que acabara de ouvir.
— Gente, todo mundo ouviu, né? Seo Maurílio tem toda a razão. Comportem-se. Até porque olhem a boazuda que está vindo em nossa direção.
Foi quando o Seo Maurílio não pôde se conter:
— Pois é, meu caro. A tal moça boazuda é minha filha.