Essa coisa de quarentena tem lá seus achados.
É um tal de anda pra lá, anda pra cá dentro de casa. Liga e desliga a TV. Mexe e cutuca o celular. Abre e fecha livros, pastas e gavetas – e foi numa dessas que encontrei um antigo recorte de jornal com uma reportagem que fiz ainda em 1974.
A ilustração original é do cartunista Ayrton que colaborava com a gente lá na velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.
…
Amigos e leitores, saibam, pois, que o jovem repórter que um dia eu fui teve a honrosa tarefa de entrevistar um dos primeiros brasileiros a montar o valente Volkswagem assim que o dito Fusca desembarcou em solo nativo.
Ano santo de 1950.
Ou seja,…
A verdade é que o nosso destemido Fusca (quem nunca teve um?) completa 70 anos.
Sei que não é tempo propício para festas, mas creio que vale o registro.
Vejam alguns trechos da reportagem com Sr. Mário (Mário Abido Calil) que, à época da entrevista, tinha 52 anos, morava no bairro do Ipiranga e era taxista.
…
“Durante os dois primeiros anos, os Volkswagem eram montados sobre cavaletes de mandeira. Por mim e uma meia dúzia de companheiros. Trabalhávamos na Brasmotor que, até então, era responsável pela montagem dos automóveis da linha Chrysler, Dodge e De Sotto.”
…
“Numa bela tarde, chegaram dois gringos (acho que eram americanos, só podiam ser), um engenheiro e um técnico sei-lá-do-quê, para nos ensinar a montar aquele estranho veículo de formas ovaladas e cores pouco atraentes – marrom, preto e cinza. Um olhou pro outro. O outro para o um, mas tocamos em frente. Serviço é serviço.”
…
“Ainda como resquício da Segunda Grande Guerra, era proibida a instalação de fábricas e qualquer empreendimento no Brasil originários dos países pertencentes ao chamado Eixo do Mal – Alemanha, Itália e Japão. Por isso, as peças dos Volks e de outros automóveis eram enviadas aos Estados Unidos que assumiam o papel de intermediários. Dali, os navios americanos, com livre acesso aos portos brasileiros, essas peças chegavam até nós.”
…
“Montávamos cinco Volks todos os dias. Mas, quer saber? Os carros ficavam todos ali, largados no pátio. A aparência do carrinho parecia assustar, especialmente os compradores que moravam na Capital. Na época, só o Interior se apresentava com algum interesse e parecia ser um mercado próspero para o novo modelo. O preço era mais acessível também. Menos que a metade do que era necessário para se comprar um Dodge sedam, por exemplo.”
…
“Quando a Chrysler fechou a primeira fábrica por aqui, pois não houve acordo com o nosso governo, muitos dos meus colegas se transferiram para a recém-criada Volkswagem do Brasil em uma pequena oficina situada na rua do Manifesto, aqui, no Ipiranga. Pensei, pensei e achei melhor tocar minha vida como taxista. Não reclamo da sorte. Gosto de ser motorista. E é importante a gente fazer o que gosta, não?”
…
…
O que você acha?