“A arte nos ensina a sonhar”
Ismael Fernandes sempre demonstrou um carinho um carinho especial com a coluna de TV que, há 22 anos, assinava em Gazeta do Ipiranga. Dizia que esse espaço semanal foi ponto de partida para todas as conquistas de sua vitoriosa trajetória profissional. Para a tristeza de todos nós, de GI, Ismael morreu às 23h55 de quinta-feira, dia 18, de parada cardíaca, provocada por complicações respiratórias. Um dia antes, passou pela Redação. Deixou a coluna, brincou com os repórteres e revisores (a quem chamava de a nova safra da Gazetinha) e, antes de sair acompanhado do irmão Rubens, recomendou discretamente: “Vê se dá um bom destaque para a minha matéria, hein. Você sabe que eu mereço. Sou prata da casa”.
Para o jornalista, de 51 anos, nascido e criado na Vila Carioca, era por meio do nosso jornal que ele se sentia em sintonia com a sua gente. Ismael não abria mão dessa integração. Ele se auto-intitulava um recordista, digno de figurar no Guiness Book. Explicava: nenhum jornalista brasileiro manteve uma coluna de TV por tanto tempo num mesmo jornal. “Havia a coluna do Ferreira (Netto) na Folha da Tarde. Mas, mudou de endereço. Agora, o recorde é nosso” – comemorava, em tom de brincadeira, repartindo seu feito com todos nós.
Também creditava à coluna de GI o impulso inicial para que realizasse, inquestionavelmente, sua grande obra: o livro Memória da Telenovela Brasileira, lançado em 82, com duas reedições atualizadas e tiragem esgotada nas livrarias de todo o País.
A idéia surgiu de forma simples. Como colunista, ele visitava semanalmente as emissoras de TV à cata de notícias. Sempre que precisava de alguma informação mais antiga, voltava para à Redação desalentado. Não entendia o descaso com que o nosso gênero televisivo mais popular era tratado. Não havia qualquer referência às primeiras novelas da TV brasileira. Incêndios, despreparo dos responsáveis e indiferença foram as causas mais comuns do esquecimento. Foi então que o jornalista saiu de cena para dar lugar ao inveterado pesquisador. Ismael tomou para si a tarefa de resgatar essa dívida com a cultura nacional.
— Meu livro é maior do que eu – dizia humildemente. As emissoras perderam tudo: arquivos, fotos, scripts, ficha técnica. Não entenderam a grandiosidade do gênero, que hoje tem alcance mundial. Também não concebo como as grandes editoras, com recursos e disponibilidade de pessoal, não se lançaram nessa empreitada. É um trabalho para ser feito por uma equipe. Dei sorte de guardar e catalogar tudo o que lia ou o que recebia das assessorias de imprensa sobre novela. O brasileiro tem verdadeira idolatria pelo folhetim. É sua grande válvula de escape. Vinte Maracanãs lotados assistem diariamente as tramas da novela das oito. Isso é ou não é um fenômeno popular impressionante.
A bem da verdade, essa paixão desenfreada por telenovela acabou por dar novos rumos à sua vida. Logo, ele estava do outro lado do balcão. Virou autor e ferrenho defensor da linguagem do folhetim. Escreveu Meus Filhos, Minha Vida e Uma Esperança no Ar, para o SBT. Participou como roteirista da readaptação de As Pupilas do Senhor Reitor e montou uma peça de teatro que era a própria essência de tudo o que pensava. Seu nome: Novela das Oito, que em 85 ficou três meses em cartaz em São Paulo.
Ismael também fez a tradução de alguns originais mexicanos para o SBT, inclusive o mais famoso desses enlatados, Carrossel. Colaborou como jornalista em diversas publicações (Isto É, Folha, Estadão, Contigo, entre outras) e fazia palestras sobre televisão e novelas. De quebra, assessorava a esposa, a professora Joana Cosmos Fernandes, na administração dos institutos educacionais, Reforço Escolar.
— Eu que bolei o nome. Mas, a Joana diz para todo mundo que foi ela – provocava Ismael só para ouvir as explicações da mulher, com quem estava casado (e super feliz) há 18 anos.
Apesar de todos os compromissos – Ismael era um nome de expressão nacional –, a coluna de GI era compromisso de honra. Se não chegava à Redação, via fax, na manhã de terça-feira, era o próprio Ismael quem a entregava, pessoalmente, na quarta-feira. Em tom de deboche, parodiava a si mesmo e aos freqüentes acessos de bronquite asmática, que o perseguiam desde criança.
— Acudam, acudam. Tem um senhor idoso querendo subir as escadas. Venham me ajudar – era outro de seus habituais trotes.
Há pouco mais de 20 dias, o falecimento inesperado de sua mãe, dona Tereza, abalou profundamente sua vocação para alegria e brincadeiras. Ismael era o filho mais velho de uma família de cinco irmãos – Gilberto, Ademir, Rubens e Silvana. Ele andava preocupado com seu pai, seu Clemente, que foi morar em Indaiatuba. Estava bem ambientado com a cidade e agora, com a morte da dona Tereza, teria que voltar para São Paulo.
Por outro lado, sentia-se realizado ao acompanhar o crescimento dos filhos, Inês (16 anos) e Gabriel (15). Pessoalmente cuidava da viagem que ambos farão ao Exterior, agora em julho. Gabriel vai para São Francisco (EUA) num intercâmbio cultural e Inês para a Espanha aprimorar-se em dança flamenga (outra das paixões de Ismael).
— Se der eu e a Joana vamos para a Europa. É um velho sonho nosso – planejava.
A realização de mais este sonho dependia unicamente de seus compromissos profissionais. Ainda em março, ele assinou contrato com a TV Plus, no Rio de Janeiro. Seria a responsável pelo texto de O Campeão, novela que atualmente está sendo exibida na TV Bandeirantes. Ismael também preparava a quarta reedição do seu livro Memórias da Telenovela Brasileira e, para os mais próximos, confessava o sonho de escrever uma novela de cunho religioso. Já havia feito contatos com a Rede Viva para uma eventual produção futura. Católico praticante, Ismael era devoto da beata Madre Paulina e de Santa Edwiges.
— A história da vida de ambas é belíssima e sempre atual. São exemplos de fé e humildade.
O corpo de Ismael Fernandes foi velado sexta-feira, no cemitério da Vila Mariana. Às 16 horas, o cortejo fúnebre chegou ao crematório da Vila Alpina. Ismael, com o recrudescer das crises de bronquite, já havia manifestado a intenção de ser cremado. A missa de sétimo dia será realizada hoje, a partir das 20h30, na Igreja São José da rua Brigadeiro Jordão esquina com Agostinho Gomes. Lá, os amigos poderão fazer sua derradeira homenagem ao homem que aprendeu a sonhar. E que, com sua arte, transformou sonhos em grata realidade.
INVASÃO DAS NOVELAS
(Esta é a última coluna do jornalista e escritor Ismael Fernandes para Gazeta do Ipiranga, jornal para o qual escreveu por 22 anos)
A televisão brasileira está mesmo revolucionária em sua programação. Há no momento uma invasão de telenovelas, com atrações em todas as redes. Entrando no mercado estão a CNT/Gazeta e a Bandeirantes. Na primeira, tivemos a estréia de Antônio dos Milagres, o mais audacioso projeto da Rede Vida que já apresentou Irmã Catarina e Ele Vive. No canal 13 paulista, a expectativa com O Campeão é muito grande, embora a produção carioca tenha sofrido muitos problemas desde seu lançamento.
Na Manchete, continua Tocaia Grande que, aos poucos, conseguiu arrebanhar uma boa faixa de público. No SBT, as esperanças agora residem no remake de Meus Filhos, Minha Vida – que estréia em maio com o título Razão de Viver e será estrelada por Irene Ravache. Lá na Vila Guilherme, também surgiram problemas com as novelas. O maior deles foi com Antônio Alves, o Taxista, uma co-produção Brasil e Argentina, estrelada por Fábio Júnior, em que Sônia Braga abandonou a gravação cheia de queixas e chiliques.
O mercado de telenovelas que movimenta milhões a cada ano continua bastante oportuno para a Globo. Agora em maio, a emissora lança uma novidade. Vai mexer em seu principal horário apresentando uma novela de 35 capítulos – apenas seis semanas no ar. Trata-se de O Fim do Mundo, assinada por Dias Gomes, que está em alta no momento graças a excelente repercussão de Decadência, a minissérie exibida em setembro do ano passado.
Mas, os problemas também bateram nas novelas da Globo. Quem é Você fez a audiência das seis despencar 10 pontos e logo aconteceu uma troca de autores. Atualmente, Lauro César Muniz tenta encontrar o eixo da história e conseguir reerguer os índices. Para tanto, buscou um dos mais conhecidos clichês da telenovela: uma super vilã em ação. É assim que Cássia Kiss surgiu após o capítulo 31. Uma vilã bem mexicana. O fato aborreceu a atriz que havia se despedido das novelas após Fera Ferida. Disse que voltou porque gostou da personagem Beatriz. Agora vive reclamando pelos corredores.
Bastidores
A Manchete relembrou seus dias de audiência à la Pantanal com o Programa de Domingo, apresentado no último dia 14. Foram muitos pontos para o quadro que exibiu a vida das gêmeas siamesas americanas. Tanto que a emissora foi estimulada a reprisar a matéria. Muito bem conduzida, a reportagem não apresentou um simples apelo emocional. Ao contrário, exaltou o lado humano dessas irmãs unidas pelo mesmo corpo.
Parece mentira, mas é verdade. Os paulistas e cariocas poderão assistir ao mega sucesso da Broadway, O Fantasma da Ópera, a partir de maio. Não será nenhuma montagem nacional. Trata-se de uma produção americana feita especialmente para viajar pelo mundo. Estima-se que 60 cidades do mundo inteiro já viram o musical. O espetáculo, que estreou em 1987 em Nova York, chegará ao Olímpya, em São Paulo, para uma temporada de um mês e depois terá duas semanas no Metropolitan no Rio. ( Ismael Fernandes)
* Gazeta do Ipiranga – 26/04/1996