Ufa!
Fim do expediente.
Seu Mané baixou as portas de aço, como nunca dantes em sua vida. Aliviado, ansioso.
Queria chegar logo em casa. Até notou que Jacira, a tal e qual, insistiu em ficar além do tempo normal e, àquela hora da noite, naquelas circunstâncias, se ele lhe oferecesse uma carona, seria difícil segurar. A menina estava lhe dando um mole.
Ficou tentado, mas segurou a onda. Naquele dia, não. Estava ansioso, como disse. Ansioso, não.
Amargurado. Queria esclarecer aquela situação de uma vez por toda.
Vez ou outra, lembrava a intimidade com que o sacana do Jeremias lhe tratara hoje cedo.
“Lu, Lu… Que intimidade do malandro com a minha patroa!”, pensava e se entristecia.
Sabem aquela velha canção da Maysa – mesmo os mais jovens devem saber, porque andou tocando aí numa minissérie da globo – que diz “meu mundo caiu”?
Pois então, não quero assustá-los, não, leitores. Mas, lhes antecipo que serviria como uma boa trilha sonora para a recepção que o nosso Mané teve em casa assim que abriu a porta.
Dona Luzia lhe esperava para reviver os bons tempos. Os bons tempos dos esculachos na padaria.
Ela não deu sequer boa noite, e lhe sapecou uma saraivada de impropérios que deixou a alma e o coração tal e qual aquele famoso queijo suiço, repleto de buracos.
Para piorar, a pauleira terminou com o seguinte e bandeiroso recado:
– E nunca mais ouse incomodar o Jejê com perguntas sobre a minha vida. O coitadinho perdeu até fome. Tá me ouvindo, Mané? Nunca mais, ouviu?
(…)
Confesso que não sei ao certo o que dizer aos meus amáveis cinco ou seis leitores.
Sinto que devo continuar a história, é meu dever. Mas, imagino que, assim como eu, vocês também estão um tanto – ou muito – decepcionados com Dona Luzia, Luzia ou Lu, que seja!
Não é de minha competência julgá-la.
Por isso, sigo relatando o que pensou o Seu Mané:
(Sei o que pensou, óbvio, porque sou o autor dessa historieta – e todo autor que se preze tem acesso à ‘caixa preta’ dos personagens).
“Quer dizer que, enquanto eu trabalho duro para tocar os negócios do estabelecimento, me esfalfo atrás do balcão, a minha Luzia fica de papinho furado com aquele vagabundo, aquele salafrário, aquele…”
Bem, bem paremos por aqui.
O pensamento do Seu Mané continuou bem mais prolixo e, digamos, contundente. No entanto, e de forma até surpreendente, nada disse. Não pediu explicações. Sentiu uma tonteira, uma ardência no peito, não estava entendendo nada, mas, naquele átimo de segundo, teve a compreensão exata de tudo que estava se passando.
Deu meia-volta – e saiu.
* amanhã continua