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Johnny Rivers e a imprensa

Foto: Visita do presidente Trump ao muro na divisa EUA/México/Shealah Craighead

Posto em sossego no aconchego do lar como bem recomendam as autoridades sanitárias, eis que toca o celular.

Apresso-me em atender.

Tempos de Imposto de Renda feito à distância pelo Danilo, amigo antigo e senhor dos números e dos mistérios da declaração, melhor não deixá-lo a esperar.

Engano-me.

Não era o Danilo – e sim uma jovem jornalista que gostaria de me entrevistar por vídeo chamada.

Um chiquê.

A partir de uma pensata sobre jornalismo que escrevi em maio do ano passado para o Jornal da USP, ela gostaria de fazer algumas perguntas.

“Coisa rápida”, diz.

Concordo, com algum pesar.

Neste exato instante, minha caixa de som começou a tocar By The Time I Get To Phenix com o impávido Johnny Rivers, dolente canção que me enleva desde aqueles dourados anos.

Olaiá.

Palavra dada. Palavra honrada.

Dou uma ajeitada na estante de livros atrás de mim, e me coloco à disposiçao.

A repórter se apresenta: trabalha para um misto de Agência de Notícias e Assessoria de Comunicação. Está produzindo a pré-pauta de uma grande reportagem sobre o futuro do jornalismo a partir das mudanças impostas pela pandemia.

Qual o meu diagnóstico?

Pergunta abrangente para uma única resposta.

Repito basicamente o que escrevi naquele despretensioso artigo.

Chama-se: Acima de tudo, jornalismo é caráter.

Se me honrarem com a leitura,  a íntegra: AQUI

Acrescento um ou outro exemplo a partir da minha vivência.

Assim tipo evangelista mesmo:

– Naquele tempo…

Mas, ressalto que não tenho lá grandes projeções a fazer.

Se a moça me permitisse uma suspeita, a experiência de 46 anos neste toc-toc-toc de alinhavar letrinhas me ensinou que é “no andar da carroça que as melancias se ajeitam”.

Aos poucos, uma a uma, as transformações se consolidam – e muito em função das novas tecnologias que, desde sempre, determinam o novo fazer jornalístico.

Muda a plataforma, não muda a essência.

Os pilares:

1 – respeito à verdade factual

2 – postura crítica e fiscalizadora

3 – independência.

Resumo da ópera:

Jornalismo, gosto de dizer, é o exercício da humildade.

Prioriza a defesa da democracia e os direitos cidadãos. Todos os cidadãos.

Ser repórter, a base de tudo.

Entrevistar. Conhecer. Entender. Para escrever.

Uma perda, que me parece considerável e determinante, é que nós, jornalistas, não temos mais o monopólio de dizer o que é ou não importante para o mundo. Perdemos o privilégio de ser os únicos intermediários entre o fato e o distinto público.

Esta é uma perda, reitero, irremediável.

Explico:

Hoje, cada qual faz a própria primeira página.

No visor do celular ou em outra engenhoca que o valha, o cidadão por si só, em suas redes sociais, repete o papel que antes cabia unicamente ao editor.

Seleciona, classifica e escolhe o que quer ou não ler, o que quer ou não assistir, o que quer ou não ouvir.

Assim como eu, nesta ensolarada tarde de inverno, enquanto rumino lembranças de outras priscas eras, delicio-me ouvindo Johnny Rivers e seus/meus contemporâneos numa playlist absolutamente pessoal e intransferível. Sem qualquer outro mediador a escolher por mim o que devo ou não ouvir.

Tem seus ganhos, reconheço.

Mas, há também grandes perdas.

Igual a tudo na vida.

Um adendo:

Ok! Nada a ver a foto do Trump para ilustrar a matéria. Só usei pois achei belíssima – e emblemática. Eis a grande virtude de não ter um editor a lhe dizer o que deve ou não deve fazer…

 

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