Vou chamá-lo aqui de Juanito por motivos óbvios. Uma corruptela de Dom Juan das Quebradas do Mundaréu que melhor lhe caberia. Saudoso Juanito que, sete anos após desviver, ainda é notícia em jornais de todo o Brasil. Quem diria!
É certo que os noticiários não lhe revelam a verdadeira identidade porque o processo judicial em que se envolveu, mesmo depois de morto, corre em sigilo de Justiça.
Deixemos de tergiversações, pois – e vamos aos fatos.
II.
A Justiça do Amazonas reconheceu, depois de aprofundados estudos e análises, a união estável de Juanito com suas duas mulheres, ambas viventes e com dois filhos para criar cada uma.
Assim, as duas famílias terão direito a receber os benefícios que lhes cabem, junto ao INSS.
Importante.
Mesmo após o parecer, o Tribunal realiza pesquisa junto às redes sociais para saber a opinião das pessoas sobre a polêmica decisão.
(Lembrei-me aqui do velho “Você Decide”, da Rede Globo, um dos primeiros programas interativos da TV brasileira. Será que houve alguma história parecida?)
A enquete até aqui não registra lá grande adesão. E a disputa entre o certo e o errado está acirrada.
Detalhe.
As duas famílias residiam (residem) em Manaus e, até o passamento de Juanito, uma não sabia da existência da outra.
III.
Estive recentemente na capital do Amazonas.
Gostei da cidade. Não conheci nenhuma das famílias de Juanito, nem fui lhe visitar a tumba no cemitério. Fiquei sabendo da história em conversa com um falante taxista – os manauaras se divertem a contar causos locais – e só depois tomei conhecimento da veracidade da informação em nota na Folha de ontem.
A princípio julguei que fosse coisa inventada.
Depois, mudei de opinião.
IV.
Aliás, pela grandeza e diversidade de Manaus, desconfio que o nosso Juanito não teve lá grande dificuldade para, estrategicamente, administrar a tal vida dupla.
Deve ter passado seus perrengues, reconheço.
Mas, creio, soube contorná-los com a naturalidade de quem vive e se esparrama pelas margens dos rios Negros e Solimões.
De qualquer forma, como me disse o tal taxista, se o segredo de Juanito fosse descoberto em vida, ele teria a chance de jogar toda a culpa de suas trampolinagens na lenda do Boto Cor de Rosa – e seu irresistível poder de sedução sobre as mulheres.
– Eu não queria, amor, mas perdi o controle, incorporei o Boto.
V.
Não sei se o álibi convenceria.
Sei que existem muitas Manaus dentro da Grande Manaus – e as subcidades convivem estranhamente, para um turista parvo como eu, sob o sol escaldante. Há os resquícios da Manaus dos tempos da borracha, a Manaus portuária, à beira do rio Negro, a Manaus miserável das palafitas e das comunidades ribeirinhas, a Manaus que prospera em Ponta Negra, a Manaus dos ambientalistas, a Manaus que se prepara para Copa, a misteriosa Manaus da floresta e das lendas…
VI.
Conto a história ao amigo Escova, de longo currículo na arte de pular cerca.
Ele me repreende quanto ao cerne da questão.
— Meu caro, diz Escova, nada a ver com Manaus. – Até em pequenas cidades de uma só rua, essas coisdas acontecem. Desde que o mundo é mundo é assim. E a tendência é ficar pior. Ou melhor, sei lá…