Descíamos do ônibus no fim da avenida São João e caminhávamos pela avenida Pacaembu até chegar ao Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho. No trajeto, encontrávamos bandos de torcedores de times diversos, com o mesmo objetivo: assistir à partida daquela tarde de domingo (podia ser na noite de quarta também, indiferente).
Outros torcedores vinham da avenida Sumaré, das ruas do bairro de Higienópolis, de todas as ruas que desembocavam na Praça Charles Müller.
Não importava qual fosse o jogo. Podia ser um Palmeiras e Corinthians, como hoje acontece, em meio à tanta polêmica sobre a segurança pública.
Àquela época,meados dos anos 60, início dos 70, o futebol era apenas um esporte que movimentava as massas e trazia entretenimento e lazer para os torcedores.
Juntos e misturados – fosse qual fosse a preferência clubística – a turma se acomodava na dura arquibancada de cimento, sem assento marcado.
Era uma festa – e, de quebra, ainda tínhamos o melhor futebol do mundo.
II.
Fosse qual fosse o resultado da partida, obedecíamos o mesmo ritual para sair do estádio, fazer o trajeto a pé e pegarmos o ônibus de volta para casa.
Óbvio que os torcedores do time vencedor vinham mais alegres e falantes. Felizes. De quando em quando, ouvia-se alguém festejar mais acaloradamente. Cantavam e lembravam em voz alta lances do jogo. Não havia – acreditem! – o propósito de humilhar ninguém.
O Corinthians era o Mosqueteiro; não, o Gambá.
O Palmeiras, o Periquito.
Tudo – no melhor dos mundos – não passava de uma grande brincadeira.
III.
Claro que, vez ou outra, havia uma arenga. Alguém se pegava com alguém, aos murros e pontapés em plena arquibancada. Mas logo a turma “deixa disso, uílsso” separava os brigões e… olho no jogo.
Quando começamos a deixar de lado esse aspecto lúdico, essa aura de confraternização, a coisa toda degringolou pouco a pouco, sem que percebêssemos.
Ou percebemos?
Fomos dividindo o estádio, criando espaço específico para as uniformizadas, dando uma cota mínima para a torcida visitante e agora desembocando na questão da torcida única – que é consequência natural desse incontornável processo de empobrecimento da cidadania e do aumento descomunal da intolerância e da violência.
Vamos torcer pela paz neste domingo.
Adversário no campo não é inimigo.