Ok. Ok…
Concordo plenamente. Tenho andado bastante relapso com a seção Leia Esta Canção que se propõe a explicar as citações musicais que encimam nosso site/blog e que tem alguns fãs entre meus cinco leitores.
Desde 6 de fevereiro que a seção não dá as caras por aqui – o que acumulou cinco citações. Vou tentar historia-las hoje aqui.
Sem mais delongas, vamos ao que se pode.
I.
“Todo amor que houver nessa vida”
Cazuza é considerado o grande letrista da geração dos anos 80, ao lado de Renato Russo. Românticos inveterados, ambos. Russo deu um tom mais melancólico aos seus versos. Tristes ou alegres, as letras de Russo inciatavam um olhar, um refletir sobre a arte de viver. Para Cazuza, o olhar apenas não bastava. Era vital não apenas olhar e refletir, Mas, experimentar a vida em todas suas possibilidades. Uma postura existencialista, típica dos anos 60. Mas, sem a ideologia da década que mudou o mundo. A canção “Todo Amor Que Houver Nessa Vida” reflete a inquietação do poeta. “Ser teu pão, ser tua comida. Todo amor que houver nessa vida. E algum remédio que me dê alegria”. Verso duro, contundente. Talvez levado às últimas conseqüências pelo autor/personagem.
II.
“Você não me ensinou a te esquecer”
De autoria de Bruno Mattos e Odair José. A canção fez um sucesso relativo no turbulentos anos 70. Tida e havida como brega, ressurgiu quase trinta anos depois na voz de Caetano Veloso e ganhou status de cult. Aliás, uma das especialidades do cantor/compositor baiano. Desafiar o senso de estética da chamada elite cultural. É quase uma tradição do ‘caetanear’. Foi assim quando se apresentou ao lado do próprio Odair José num espetáculo que pretendia reunir o melhor da MPB, o Phono 73. Cantaram, então, o megahit “Pare de Tomar a Pílula”, do repertório de Odair José, para espanto de uma platéia que não sabia se aplaudia ou vaiava – acabou aplaudindo. Foi assim quando gravou “Sonhos” e “Sozinho”, de outro autor estigmatizado, Peninha. Quando ressurge, a canção de Odair prenuncia – coincidência ou não – um momento difícil da vida de Caetano – a crise no casamento – e revela indícios da temática que o artista explora à exaustão no recente e aplaudidíssimo trabalho, “Cê”.
III.
“Vou beijar-te agora.
Não me leve a mal. Hoje é Carnaval.”
Óbvio que os versos de Zé Ketti funcionaram como “nick” do nosso site na semana de carnaval. E nem poderia ser diferente. Se a memória não me trair – até ela, gente! -, “Máscara Negra” foi a última das marchinhas carnavalescas digna de registro. E isso aconteceu há exatos 40 anos. Isso mesmo. No carnaval de 1967, o compositor carioca emplacou seu último grande sucesso – e, para muitos, a mais bela de suas canções. A gravação original é de Dalva de Oliveira – hoje esquecida, mas uma das três grandes cantoras do Brasil, ao lado de Ângela Maria e Elis Regina. Seus versos trazem um lirismo próprio dos antigos carnavais e dos amores instantâneos e – mesmo assim e talvez por isso – inesquecíveis.
“Arlequim está chorando
pelo amor da Colombina
no meio da multidão…”
IV.
“Quem tem tem.
Quem não tem não se conforma.”
Mais do que um verso, creio tratar-se de uma constatação.
Sagaz constatação feita por Luiz Melodia, na canção “Iran”, que dedica ao próprio filho.
“Iran
Eu estou contigo, nêgo.
Iran, meu filho
Tenha sossego”
Cantor/compositor carioca, Melodia surge no início dos anos 70 com a pungente “Pérola Negra”, na voz de Gal Costa. Logo, outra canção, “Juventude Transviada”, é aproveitada na trilha sonora da novela “Pecado Capital”, o que dá um bom impulso para a carreira solo do autor.
Melodia tem um jeito personalíssimo de compor. Seus versos são originais e provocativos.
“Rasque a camisa
Enxugue o meu sangue”, Perola Negra
“Uma mulher
não pode vacilar”, Juventude Transviada.
Musicalmente, funde influência do samba autêntico que conhece no Estácio, onde se criou, com uma levada word-music, uma tendência que eclode nos anos 70, em que tudo é permitido. Do blues ao forró. Da bossa-nova ao bolerão rasgado.
Melodia está entre os autores mais originais da MPB.
V.
“Subir. Descer. Entrar. Sair – faz parte
do talento individual de cada um”
Por falar em autores originais, o mais original deles. Jorge Duílio Lima de Menezes. Que na adolescência era chamado de Babulina, pela turma de amigos da Tijuca – entre os quais Sebastião (Tim) Maia e Erasmo (Carlos) Estevez. Quando começa a se apresentar no famoso “Beco das Garrafas”, no Rio de Janeiro, adota o sobrenome do avô – e compõe o nome artístico: Jorge Ben. Em 89, depois de uma viagem à África, passa a chamar-se Jor Ben Jor, segundo ele mesmo disse na ocasião, para evitar que as editoras internacionais repassem seus direitos autorais para o guitarrista George Benson. Alega que a sonoridade dos nomes eram bem próximas – e que ele poderia estar perdendo uns trocados com a confusão.
Mais recentemente, resolveu simplificar.
Agora é apenas Benjor.
Coisas do mundo encantado que esse carioca do bairro do Rio Cumprido, ex-lateral esquerdo do juvenil do Flamengo, vem cantando desde o início dos anos 60.
O verso-recado acima não deixa dúvidas. Uma lição para bem viver na canção “Alcohol”, gravada em 1993 – e sempre e sempre atualíssima, como só e acontecer com o mago Benjor. Ou vocês já viram alguém na faixa dos sessenta e quase-muitos usar bermuda, boné com a aba para trás e continuar absolutamente elegante?