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Lembranças e devaneios

Perdoem-me a imodéstia. Gosto muito do texto que hoje aqui transcrevo. Diz muito sobre mim – e a mim. Talvez ande um tanto nostálgico. Saudoso de outros tempos. Saudoso de alguns amigos e da velha redação de piso assoalhado e grandes janelões para a rua Bom Pastor.

Aliás, foi com esta crônica que me despedi da coluna que assinei por 20 e tantos anos (Caro Leitor) publicada semanalmente no jornal Gazeta do Ipiranga, onde militei por quase três décadas.

É bem provável que já o tenha reeditado aqui, no Blog, em anos anteriores. Também faz parte da coletânea que lancei em dezembro de 2013, “Volteios – Crônicas, lembranças e devaneios”.

Eu o acho ainda bastante atual – espero que gostem!

Sempre que o visito, consigo o tal reencontro com tenras emoções e sentimentos do garoto que um dia fui e espero conservar intactos [mesmo com as agruras da vida adulta].

(…)

PORQUE IMAGINO JUNHO

COMO SINÔNIMO DE LIBERDADE

"Assim há que ser ter estilo" (Padre Vieira)

01. Nos tenros anos da infância e adolescência, os alunos dos colégios Maristas tinham motivos de sobra para saudar a chegada de junho. Se as provas bimestrais assustavam, a proximidade das férias de julho garantia a saborosa sensação de estar livre para jogar futebol, empinar "papagaio", rodar pião; enfim ser feliz. Para melhorar o espírito da garotada — eu inclusive –, o 6 de junho era feriado — e que feriado! Consagrado à memória e reverência do fundador da congregação, o então beato (agora santo) Marcelino Champagnat, vivia-se um dia de festa, com o futebol rolando solto nos dois campinhos de terra batida que existiam no Colégio Nossa Senhora, aqui pertinho no Cambuci. Lembro que era a única manhã em que acordava antes do pai me chamar e ficava ansioso pela chegada do bonde que me levaria da rua Bom Pastor à rua Lavapés. Ainda agora tento descrever, mas não consigo, a delícia de entrar em campo com o uniforme de camisas listradas em azul e branco do Glória. Quanto encantamento…

02. Nos inquietos anos da juventude, tinha outra — mas também claríssima — noção de liberdade. Nada me impedia de fazer o que bem quisesse, embora quase sempre deixasse tudo por fazer. O que convenhamos é a verdadeira legitimação do conceito "ser livre". Uma certa manhã, recomendado por alguém importante, lá fui eu para o meu primeiro dia de trabalho como datilógrafo num escritório de contabilidade ou algo do gênero. Não cheguei a sequer esquentar a cadeira. Uma hora depois deixei a sala abafada pela fumaça de cigarro para nunca mais voltar. Hoje talvez pudesse alegar que o ruído dos teclados incandescentes me estressou, mas a palavra não existia naquele tempo. Sai sem dar bom dia, aliás como cheguei. E ninguém reparou ou sequer lamentou (afora meus pais, claro) …

03. Há quem diga que o conceito de liberdade para a minha geração não fosse além de uma calça velha, azul e desbotada. Ou que éramos libertários demais, responsáveis de menos. Sei, não. Quando embiquei para os quarenta, coincidência ou não, comecei a me incomodar com algumas "armadilhas" em que o destino havia me enredado. Os terapeutas de comportamento acham natural que, a essa altura da vida, o cidadão faça uma espécie de avaliação do que fez ou deixou de fazer. Alguns amigos, mais debochados, reforçavam a gozação. Diziam que de tão distraído nem me dei conta que esses desvãos sempre existiram. E mais grave: sempre existirão. A vida é assim, cara.

04. Muitas vezes, tomei esses comentários como uma forma de pressão, de enquadramento às regras do jogo social. Mas, confesso: pode ser difícil ser o que se é, mas ainda é a melhor coisa que uma pessoa pode fazer por ela mesmo. E bom chegar ao cinquenta e quequérecos. Não há o que lamentar. Distrações, contradições e sonhos são formas de liberdade. Diria o mago: fazem parte do caminho. Diria o meu saudoso avô, o maior de todos os pecados é o arrependimento.

*Nota do Blog:

Só pra não dizerem que estou escondendo a idade, ando hoje – um tanto combalido, é certo – na casa dos sessenta e muitos. Mas, no firme propósito de não perder a capacidade de sonhar …

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