Duas lendas que ouvia pelas ruas do Cambuci. Diria que merecem crédito relativo à imaginação de cada um dos nobres leitores. Também à credibilidade das lembranças do menino que fui e do cronista inofensivo e sonhador que ainda sou…
A primeira delas diz respeito ao pintor Volpi. O pai e os amigos contavam essa história e riam que riam nas noitadas do Bar Astória.
Eu ria também, mas, confesso, não achava tanta graça assim.
Segundo eles, o artista distribuía retalhos de suas pinturas para a garotada que brincava no parque repleto de jardins que existia em frente a sua casa. Trapinhos coloridos em que experimentava formas e cores que redundariam mais tarde em suas célebres ‘bandeirinhas’. Sem entender o valor e a importância daqueles pequenos retângulos, houve mãe de menino que proibiu o filho de colecioná-los – à época, anos 50 e 60, era moda ter uma coleção de qualquer coisa. Valia desde tampinha de refrigerante à carteira de cigarros, sem falar, dos álbuns de figurinhas – ou mesmo, numa atitude mais extrema, levar aquele “lixo” para a casa.
A outra “lenda” tem como protagonista o saudoso Toninho, um dos fundadores do grupo Demônios da Garoa. Ex-motorista de praça, como o meu tio Ninim, de quem ouvi a história, Toninho morava na Mooca, mas quando garoto estudava na escola do outro lado do rio Tamanduateí, ali nas imediações da rua Ana Nery.
Numa bela manhã, ao sair das aulas, ele ouviu a triste notícia:
NO DIA SEGUINTE O MUNDO IRIA ACABAR.
Foi o que disse um adivinho famoso. Alguém ouviu no rádio e tratou de espalhar. Era melhor, então, apressar o passo e chegar logo em casa para ver a mãe, o pai, os irmãos. Antes, porém, parou no empório onde a família tinha conta e se entupiu de paçoquinha e guaraná.
Afogou as mágoas. Que chegou em casa passando mal.
No dia seguinte, Toninho não imaginava o cataclisma que o esperava.
O mundo não acabou. E ele teve que enfrentar a fúria do pai, com o cinto na mão, a lhe pedir explicações sobre a conta que deixou na venda…