A idéia era aproveitar o dia ensolarado,
de um inverno atípico, para percorrer
as cidades da Costa Malfitana. Estávamos
em dia com a programação da viagem,
e não pretendíamos fazer nenhum pernoite.
Havia uma certa pressa por tornar a Roma.
A estrada estreita e sinuosa corta
as encostas rochosas e oferece
visuais lindíssimos. O mar Tirreno é parceiro
de viagem. Está sempre ali à sua direita.
Também são presenças constantes
as cidadezinhas incrustadas nos montes,
o desenho irregular dos penhascos
que quebram sobre o mar, as baias
e a linha do horizonte.
De tempos em tempos, aparece
uma área de descanso. Têm como fundo,
para variar, cenários deslumbrantes
– e você se sente, como na velha canção,
a um passo do paraíso: o azul do Tirreno,
o azul do céu, os raios solares e o silêncio.
II.
Saímos de Sorrento, faríamos o périplo
de cidadezinhas e pretendíamos chegar
em Salerno – a última e maior cidade da Costa.
De lá, retomaríamos a auto-estrada –
sem limite de velocidade, onde os carros
voam – e voltaríamos para Roma.
Esta era a idéia…
… até chegarmos a Maiori, pouco mais
que uma aldeia à beira-mar. Nada muito
diferente de Ponciano, Castelo del Mare,
Ravello, Minori e outras tantas que compõem
a delícia daquela da região, com duomo
no alto da colina, calçadão arborizado
onde as pessoas vão `palestrar` no
fim de tarde, um pequeno ancoradouro,
pescadores solitários e seus barcos e
algumas plataformas mar adentro…
III.
Eram pouco depois das três da tarde.
Nesta época, escurece cedo na Itália,
por voltas das 17h30. Então,
um bem-aventurado lembrou
a possibilidade de assistirmos
a um indescritível pôr-do-sol,
mas teríamos que mudar nossos planos…
Ou seja, há uma Maiori no meio do caminho.
No meio do caminho, há uma Maiori – e nos
deixamos ficar entre embevecidos e apaixonados.
IV.
Numa ruazinha paralela à avenida da praia
de areia escura, o hotel San Francesco
nos acolheu alegremente, diria.
Para um sábado de inverno,
novas levas de turistas são sempre
bem-vindas num balneário europeu.
Rapidamente, acomodamos as bagagens
nos dormitórios e saímos a explorar a cidade.
O que significa dizer: andar pra lá e pra cá,
sem rumo, nem destino.
À noite, nos encontramos para jantar
e comentar as pequenas – e importantíssimas –
descobertas que cada um fez: uma cafeteria
“que é uma gracinha”, uma igrejinha barroca,
o presépio – obrigatório em todas as cidades,
um objeto típico, coisas assim…
Todos concordavam: o pôr do sol foi deslumbrante…
V.
Me imaginei um escritor de sucesso.
Não teria dúvidas em lá me estabelecer.
Seria meu refúgio para escrever romances
`históricos`– aliás, na Itália, uma das palavras
que mais se ouve é “histórico”. Com alguma razão,
mas outro tanto de exagero, tudo é histórico…
VI.
Mas, isso não chega a incomodar.
Na verdade, estávamos mesmo a um passo
do paraíso; não fosse um dos solícitos garçons
do restaurante onde jantamos.
Ele cismou que eu era ítalo-americano
e desandou a falar inglês comigo. Eu nada
entendia, e me socorri do meu filho
para desfazer o equívoco.
— Diz para ele que eu sou brasileiro. B r a s i l e i r o!
Acho que entendeu. Mas continuou a falar
em inglês com o grupo. Estava se achando, pensei.
Confesso que fiquei invocado.
Mas, estava tudo tão bom que deixei pra lá…
VII.
À saída, porém, o moço veio para o meu lado.
Simpático, arranhou, como pôde, uma
despedida num português macarrônico.
— Até a próxima, amigo.
Fiquei tão surpreso quanto arrependido.
Sem graça mesmo…
— Ok, ok, ok…, respondi toscamente, como
autêntico ítalo-americano made in Cambuci.