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Marcele, a manauara…

“Desemprego é de 13,2% e atinge 13,5 milhões
de trabalhadores, diz IBGE” – (Fonte: Uol)

I.

Jairo, o Jairão do RH, só conhecia a Marcele por ouvir falar.

Diziam que era uma morenaça. Um tipo assim manauara, boca rasgada, cabelos lisos, toda roliça. De encher os olhos.

Ela trabalhava na área de TI e, vez ou outra, passava por ali para verificar os computadores, a rede administrativa, essas engenhocas que comandam os novos tempos.

Jairão dava de ombros para a má sorte de não estar no RH nos dias das tais inspeções. Sequer se importava com o falatório dos colegas de repartição. Era muito na dele.

II.

Foi assim até o dia em trombou com a moça no hall de entrada da empresa.

“Só pode ser ela”, murmurou para se dar conta de que não estava sonhando.

Marcele sorriu, e desculpou-se pelo leve esbarrão. Ele deu passagem – e seguiram, alguns passos, bem próximos. Logo ela seguiu para o elevador da esquerda e Jairão, algo desconsolado, continuou no mesmo andar, onde estavam seu destino e sua mesa de trabalho.

Não soube bem explicar o motivo. Mas, sentiu-se mexido, diferentão. Algo acelerado.

Lembrou o Poeta:

“A vida é a arte do encontro”.

III.

Na manhã seguinte, ao estacionar o carro no pátio da firma, agitou-se com a ideia de reencontrá-la.

Quem sabe um “bom dia” os aproximaria de vez? Apertou o passo – e …

Nada da moça.

Ficou arrasado. Ainda arriscou olhar para trás, imaginou um álibi qualquer para seguir com ela no elevador. Tudo em vão.

Seguiu decepcionado para a lida. Triste lida em tempos de crise. A empresa não ia lá essas coisas – e sua rotina nas últimas semanas era despachar avisos prévios e demissões, com ou sem justa causa.

Pais de família, jovens que mal começavam a trabalhar, tiozões que ajudaram a fundar o negócio, mulheres de todas as idades. Não havia distinção.

“Temos de cortar o pessoal em 30 por cento” – era a ordem da Direção que os gerentões de departamento cumpriam à risca. Sem dó, nem piedade.

IV.

À sua frente, um maço de papel com a documentação das demissões do dia.

Imaginou uma certa cena, mas logo desconsiderou:

“Seria horrível”, murmurou, desviando-se do qye entendeu ser um pesadelo.

(…)

V.

Marcele reparou naquele quarentão bem-apessoado que, inadvertidamente, lhe tomou a frente assim que chegou.

Estranhou.

Nunca o vira por ali. E olha que já batera a empresa inteirinha, atrás de dar vida aos benditos computadores que dia sim e outro também apresentavam problemas.

Ela gostou do jeito com que ele lhe olhou. Não foi com a ‘fome’ exagerada dos outros rapazes. Percebeu alguma surpresa, um tanto de admiração e uma improvável timidez, tão rara nos marmanjos hoje em dia.

Desde que Amaro lhe aprontara aquela, havia desistido de novos romances, e se sentia bem assim como estava, sozinha.

Gostara do desconhecido, porém.

Por que não?

VI.

Sua vida andava tão igual. Tão desinteressante. Sempre as mesmas conversas, as mesmas baladas, as mesmas pessoas.

Na TI, eram todos colegas de turma. Conheciam-se desde a universidade. O Oscar foi o primeiro a ir para a empresa. Assim que pintou uma vaga chamou a Marilda que chamou o Paulo que chamou a Débora, o Luís, ela e o Afonso.

A corriola estava formada.

Não era ruim, não. Mas, também não era aquela coisa.

Para ser sincera consigo, uma chatice!

Talvez fosse hora de se dar outra chance.

Aquele tiozinho, hum…

VII.

Tentou reencontrá-lo na manhã seguinte. Mas, o Metrô lotado e as tais paralisações contra o Governo não lhe ajudaram.

Chegou tarde.

Bateu o ponto, e entrou correndo, atrasada. Na cabeça, uma estratégia marota:

“Queria tanto lhe dar um “bom dia”. Saber em que seção ele trabalha. Quem sabe o seu computador não está travado…”

VIII.

Ria das bobagens que pensou, enquanto se preparava para começar o dia.

Foi quando Sueli, a gerente, apareceu em sua frente.

Não estava com uma cara boa, não.

Foi objetiva no papo:

– Má, o pessoal do RH pediu para você dar uma passadinha por lá. É lá no térreo. Eu sinto muito…

(…)

IX.

Não tenho nada a ver com a história. Sou apenas o narrador. Mas, acho que posso completar os versos do Poetinha:

“A vida é arte do encontro
Embora haja tantos desencontros
Pela vida”

Em tempos de desemprego, então…

*(Escrevi demais. Volto segunda!)

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