O pai era adhemarista convicto.
Tio Nandinho, janista.
Os dois tumultuavam toda a reunião familiar – fosse almoço de domingo, aniversário de criança, noite de Natal – com a discussão acalorada de quem seria o melhor para o Brasil: Adhemar de Barros ou Jânio Quadros.
Copos de vinho e cerveja esvaziados, o assunto mudava para o futebol (o tio era sãopaulino) e terminava na melancolia das cançonetas napolitanas, embora o tio se orgulhasse da ascendência francesa (sou um Nóbile de Gerard).
Foram os primeiros embates políticos que assisti na vida.
O pai dizia conhecer Jânio “de outros carnavais” (antes de entrar para a vida pública, o professor Jânio da Silva Quadros morou na rua Sinimbu, no Cambuci, bairro onde meus familiares sempre viveram.). Por isso, não se surpreendeu quando o Homem da Vassoura “não segurou o rojão” na Presidência.
– É a vez do Adhemar. O Brasil precisa de um gerente, proclamou o Velho Aldo.
Não lembro o que disse o tio.
Após a renúncia, o clima andou pesado naquele início de década.
Lembro uma tarde em que os trabalhadores da Fábrica de Latas Americana tomaram a rua Muniz de Souza para decidir se haveria greve ou não.
Não sei dizer quantos eram.
Sei que ocuparam toda a calçada onde nós, os garotos, costumávamos jogar nosso futebol no meio da tarde. Ficamos ali olhando aqueles homens sérios e preocupados decidir o que fariam. Falavam em resistir ao Golpe.
A situação era tensa.
Um deles falou em ‘guerra civil’.
A mãe apareceu no portão – e mandou que eu entrasse. Poderia haver confusão, se a polícia chegasse.
Seo Simeão ajudou a dispersar a meninada. Ele era um dos trabalhadores, além de pai dos meus amigos Claudinho e Toninho. Sempre foi um homem de poucas palavras, mas muito gentil.
Naquele dia, disse que as coisas não estavam bem. Melhor irmos para a casa, era mais seguro.
– Falam até em depor o presidente Jango. Não vamos deixar.
Era março de 1964.
E o Brasil nunca mais foi o mesmo.