Foto: Cláudio Michelli/Clamic (in memorian)
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Pois é…
Não dá para acreditar, mas é a verdade verdadeira que passo a lhes contar.
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Mais ou menos por essa época – fins de janeiro, início de fevereiro, não sei precidar ao certo, do ano santo de 1974 -, lá estava eu em frente ao histórico prédio dos Diários e Emissoras Associados na rua 7 de abril, imediações da Praça da República.
Tinha 23 anos, cabelos longos e desgrenhados, era estudante de jornalismo da Universidade de São Paulo.
Fui me apresentar – por indicação de um amigo do meu pai, o velho Aldo – â chefia de reportagem do Diário da Noite, jornal paulistano que, diga-se de passagem, já não vivia uma grande fase.
Pleiteava uma vaga de estagiário para assim dar o pontapé inicial na minha possível (e improvável) trajetória profissional.
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Imaginem a cena.
Um cabeludo, de roupas extravagantes e modernosas, desorientado em meio à multidão na calçada da movimentada rua no Centro de São Paulo.
Hesitava em entrar.
Nunca tinha posto o pé numa redação.
Não conhecia ninguém.
O pai me disse o nome do boss. Mas, naquela hora, deu pane, e eu esqueci.
Armindo? Arlindo? Armando? Arlando?
Como me apresentaria?
E a quem?
“Boa tarde, Sr. Qualquer Nota, sou o Rodolfo, filho do Aldão, vim falar com o chefão porque…”
Não ia muito além disso.
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Sem noção.
Andei por algum tempo de um lado para outro na calçada.
Vez ou outra dava uma espiada para o interior do prédio. Observava o entre-e-sai do saguão.
Vi que o ascensorista era uma simpatia com todos que entravam.
Foi a deixa.
Tomei coragem – e parti na direção do homem. Que, pasmem!, me saudou com sorriso e boas vindas.
– Pra onde vamos, jovem?
– Pra redação, por favor.
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Primeira etapa vencida.
O homem me deixou no segundo andar.
Sem que eu nada lhe dissesse, prestativo – talvez aquela cena lhe fosse comum -, já me encaminhou para o tal de Armindo/Arlindo/Armando/Arlando, o secretário de redação.
– Fale com ele.
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O homem ficava numa saleta envidraçada que, nas redações, chamávamos de ‘aquário’ – e me atendeu sem desviar a atenção do que rabiscava num diagrama.
Mal terminei de lhe dizer meu nome – e ele me tocou para o andar de cima.
– Deixe sua carteira profissional aí em cima da mesa, e se apresente ao Zé Armando, no terceiro andar.
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Eu, hein!
Atarantado que estava, tratei de zarpar dali rapidinho.
No caminho, dei uma breve conferida na redação. Não fiquei lá com boa impressão. Era tudo muito antigo, móveis pesados e escuros, uma luz difusa. Todo mundo fumando. Além do que a turma me pareceu com expressão aborrecida, de quem não recebe em dia, em meio à sinfonia dos teclados das máquinas de escrever.
Confabulei comigo mesmo que aquele talvez não fosse o meu planeta de origem.
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José Armando Cavalcanti era o colunista social, titular da seção “Koisas com K”.
Escrevia sobre política e coisas (com C) do cotidiano.
Imaginem a cena 2:
Um hiponga sem vida social diante de um engravatado de terno e gravata, todo almofadinha, a falar no telefone, com ares de ‘poderoso chefão’.
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Lembram que invoquei São Francisco Sales, o padroeiro do jornalistas, no primeiro post/crônica do ano?
Pois então…
Essa história começou errada. Tinha tudo pra não dar certo.
Desconfio que o santo ajudou.
Fez o que pôde.
Mas, os detalhes eu conto amanhã.
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A TRILHA SONORA
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Veronica
26, janeiro, 2024Vi a cena!