A gravata dele também era uma assinatura. Até hoje, dez anos depois da sua morte, os sobreviventes do seu tempo, quando me encontram na rua ou numa reunião, falam daquela gravata. Muitos nem sabiam quem ele era, o que fazia, como se chamava. Mas guardavam dele a gravata que não era uma gravata qualquer, mas um emblema, um logotipo, uma opção de vida.
Resumia-se num cumprido lenço de seda azul-marinho com bolinhas brancas, que ele passava por dentro do colarinho e arrematava com uma laçada simples, dessas que se dão nos cordões dos sapatos. Pelo que me lembro, no tempo dele, apenas dois artistas populares, Nelson Cavaquinho e João da Baiana, usavam a mesma gravata. Chamava-se à Lavallière, era larga e tinha o laço bufante.
O lenço no bolsinho superior do paletó era do mesmo tecido e cor. Gravata e lenço que ele nunca esquecia ou deixava de usar, estivesse ele com qualquer roupa, desde o terno riscadinho com que foi ao casamento dos filhos e a outras cerimônias mais solenes, à roupa esporte, quando vestia culotes e perneiras e ficava parecendo aquele velhinho do filme de Monicelli.
Volta e meia, minha mãe ia ao Mundo das Sedas e trazia metros e metros daquela seda azul-marinho com bolinhas brancas. Eram fáceis de fazer, tanto a gravata como o lenço. Quando o conjunto começava a desfiar, ele tinha a pilha sempre abastecida por minha mãe. Julgava-se bonito com aquilo.
Recebia gravatas de presente, algumas caras, de amigos que iam a Paris ou Roma. Ele agradecia, guardava por uns tempos, depois embrulhava de novo e presenteava alguém com elas. O secretário da Agricultura, Heitor Grilo, marido de Cecília Meireles, deu-lhe num Natal uma bela gravata italiana, no ano seguinte, na confusão dos presentes, o pai o presenteou com a mesma gravata.
Ganhava também chapéus, foi dos últimos homens do Rio de Janeiro a usar chapéu, quando ficou muito velho e percebeu que ninguém mais usava, passou a andar de boina pois sentia frio no alto da cabeça que os ralos cabelos brancos já não protegiam.
Apaixonou-se por uma boina basca que eu lhe trouxe, comprada na Corte Iglés, de Madri, e toda vez que sabia de alguém que ia a Madri ele encomendava uma boina igual mas só usava a minha.
* TRECHO DO LIVRO…
… Quase Memória, em que o jornalista
e escritor Carlos Heitor Cony
reverencia a lembrança do pai,
o jornalista Ernesto Cony Filho.
Um livro fascinante,
entre os melhores que eu li.
Se não for o melhor.
* O SITE oficial…
… de Carlos Heitor Cony
está entre os indicados
em TOQUES E RETOQUES.