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Meus tipos *

Como recusar o convite de um filho? Por mais que seja um daqueles programas de índio (que evito o mais que posso), lá fui eu ontem à noitinha caminhar em uma pista pública de Cooper que existe pertinho de casa.

Em lá chegando, surpreende-me duas coisas: 1- o que tem de gente ali se exercitando é mesmo de impressionar (desconfio que o brasileiro médio tomou gosto por cuidar da saúde, como recomendam os médicos) 2 – meu filho se põe a correr e me larga, por ali, a caminhar no ritmo que consigo e me garanto. Ainda tento provocá-lo:

– Me convida para caminhar junto com você – e agora me abandona?

Em vão.

O cara já vai longe – e não me resta outra alternativa senão continuar no meu trotezinho maneiro.

II.

Andava eu pelo quilometro, quilometro e tanto, eis que se aproxima de mim uma senhorinha e educadamente me pergunta:

– Ademir, é você?

Reluto alguns instantes, mas respondo negativamente. Sempre fui muito sincero. Não seria agora que iria iludir aquela frágil senhora.

– Não, minha senhora, não sou o Ademir.

Ela fica um tanto sem jeito e se desculpa. Diz que estava sem óculos e apressa o passo miúdo para se distanciar o mais que pode de mim.

III.

Fico ruminando o episódio na memória – e me ponho a imaginar quantas e tantas vezes fui confundido com outra pessoa. Sou um tipinho comum.

Lá nos antigamente fui a um show de um cantor/compositor vanguardista, Walter Franco, que fazia muito sucesso à época com canções como “Vela Aberta”, “Respire Fundo”, “Serra do Luar”, entre outras. Cheguei cedo e me instalei em um boteco próximo ao Teatro da GV até que se abrissem as portas do auditório. Percebi que, aos poucos, as mesas ao meu redor lotaram de prováveis espectadores que não paravam de me olhar e conversar baixinho sobre não sei o quê.

Alguém me perguntou algo sobre o espetáculo.

Respondi que também estava ali para assisti-lo e ouvi o rapaz dizer:

– Não é ele não, turma. Parece, mas não é…

O pessoal foi embora desalentado.

Reconheci a decepção também no rosto do português, dono da birosca. Em função da minha resposta, perdeu uma receita que jurava estar segura.

Tudo bem. Vida que segue…

IV.

Meses depois, encontrei-me com Walter Franco nos corredores da então gravadora CBS (atual Sony). Meus amigos repórteres e o assessor de imprensa, o Artúlio, brincaram comigo e com ele:

– Enfim, os irmãos se encontraram.

Fiquei super sem graça.

Walter foi gentil:

– Ele tem os traços mais suaves que os meus.
V.

Continuei minha caminhada a recordar outras situações que vivi vida afora.

Certa vez, esperava uma carona de alguém em frente ao prédio onde moro – e percebi que uma jovem senhora me olhava insistentemente.

Ela já se encontrava na portaria quando cheguei, mas penso que não se deu conta que sai pelo portão da garagem. Porque, passado alguns minutos e me vendo ali de bobeira, ela se aproximou e me perguntou com forte sotaque de americano:

– O senhor é o marceneiro?

Disse que não – e ela se afastou, toda sorridente,

Dias depois, soube que era uma nova moradora do prédio.

Contei essa história, tempos depois, para o Escova que foi enfático. Se fosse com ele, só esclareceria o mal-entendido lá em cima, no interior do apartamento da moça.

– Quem sabe não dava jogo?

O Escova é um patife, concordo. Mas é meu amigo.

VI.

Nos tempos em que trabalhei com o Padre Brito – editávamos o jornal O
Carpinteiro, na Paróquia São José do Ipiranga – também se vivi situação semelhante.

Antes de começar os trabalhos daquela manhã, passei pela igreja para ver se o Padre Brito estava por ali e também para rezar um tantinho – nunca é demais pedir proteção aos Céus.

Estava entretido contemplando as pinturas de uma das primeiras igrejas do Ipiranga, quando uma senhora me abordou, com ares aflitos e me perguntou:

– O senhor é padre?

Não era, e não sou. Mas, fiquei feliz por exalar ares de santidade.

VII.

Enquanto caminhava ia lembrando essa e outras histórias, mas uma questão, confesso, ainda me incomodava: quem seria o tal Ademir a quem a senhora de referira?

Ademir é um nome antiguinho. Faz jus aos meus sessenta e tantos.

Seria professor, como eu?

Dentista?

Síndico de algum prédio na região?

Seria uma pessoa respeitável e de fino trato?

VIII.

Batucava essas bobagens na minha cabeça quando meu filho chegou e deu o
toque que já era hora de ir.

Concordei na hora por dois motivos:

1 – Eu estava na faixa dos quatro quilômetros de caminhada; e ele bem mais, pois correra o tempo todo.

2 – Vai que o tal do Ademir fosse alguém listado na Operação Lava Jato ou coisa que o valha.

Nunca se sabe, é ou não é?

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