Solange K. era uma sensitiva a quem recorria todas as vezes que o Alfeu (ou seria Alceu?), editor da Agência Estado, me passava uma pauta amalucada com previsões, mudança do ano astral, quem é quem no horóscopo chinês, entre outros badulaques, transcendentais.
Eu gostava, não vou negar, não. Até me divertia.
Além do que, reportagens de comportamento, o pessoal gosta de ler, se identifica e, diria até, se acha um tantinho especial, fora da caixinha do lugar comum.
Não é ou é?
…
A Solange era do bem. Minha esotérica favorita. Jogava búzios, fazia mapa astral, baixava o tarot, cercava esse tal de futuro de todo o jeito.
Nunca questionei seus dons e poderes.
Falava coisas maneiras, apostava no ser humano e dizia que, por pior que fosse o momento, haveria sempre “uma nobre razão para tudo aquilo”.
…
Muitas vezes, recomendei uma visita à Solange quando vi que alguns amigos se enroscavam com as futricas do cotidiano que, vamos combinar, por vezes, pesam a mão sobre nossos vãos destinos. Dóem mais do que pisada de elefante.
Ela tinha a palavra certa pro gajo, ao menos, tirar um dos pés do lamaçal, voltar a acreditar e botar um sorriso, mesmo que tímido, esquálido, no rosto.
Grande Solange.
Os caras até me agradeciam.
Verdade.
Nunca ninguém reclamou.
…
Em certa ocasião, procurei a Sra. K para uma pauta qualquer, não lembro.
O Alceu (ou seria Alfeu?) era muito criativo. Achava meandros no além para o repórter fustigar e desenvolver.
O que será do amanhã
Responda quem puder
O que ira me acontecer
O meu destino será o que Deus quiser
…
Lá fui eu para a casa rosa onde ela morava e atendia na Vila Mariana.
Foi solícita, como de costume.
Eu que fui um incauto, falastrão.
…
Antes da entrevista propriamente dita, fiz uma pose e lhe disse, para impressionar, que planejava fazer o Caminho de Santiago de Compostela que era modinha à época entre os descolados.
Pensei que fosse receber um elogio, um incentivo.
Ganhei uma sonora reprimenda.
– Pra quê?
– Como assim? – respondi surpreso.
– Não precisa.
– Não precisa?
– Não.
– Não?
– Você terá uma longa caminhada pela frente, mas aqui mesmo. Montanhas, vales, obstáculos, tempo bom, tempo ruim, você fará a travessia por aqui mesmo. Sem sair do próprio cotidiano.
…
Fiquei confuso.
Imaginem minha expressão apatetada.
Só soube dizer:
– Hãhã…
Mesmo assim, inteiramente desconcertado.
– Você vive um tempo de transição, de mudança. É necessário. Seja o que for o que lhe acontecer, seja autêntico. Seja você mesmo, sempre. E siga em frente. Sempre. Passará.
…
Olaiá.
Que sacode!
Tratei de começar logo a entrevista para a reportagem.
Não quis me apoquentar com prováveis aporrinhações futuras.
Desbaratinei da viagem.
E passei a usar, no dia a dia, os confortáveis pares de meias de lã, carésimas, que havia comprado especialmente para a épica jornada.
…
Sabem que Dona Solange tinha razão.
Fiquei por aqui – e, aos trancos e barrancos, segui em frente.
É da vida e dos amores.
Aprendam!
Não sou esotérico, mas tenho lá os meus dons…
O que você acha?