Se lembra da fogueira
Se lembra dos balões
Se lembra dos luares dos sertões
A roupa no varal, feriado nacional
E as estrelas salpicadas nas canções
Se lembra quando toda modinha falava de amor
pois nunca mais cantei, oh maninha
Depois que ele chegou…
- “Maninha”, de Chico Buarque, interpretada por Miúcha que morreu ontem no Rio de Janeiro, aos 81 anos.
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A cantora Miúcha surge num momento bastante especial da música popular brasileira. Ali pelos anos 70. Estávamos entre os principais mercados fonográficos do mundo (terceiro ou quarto, se bem me lembro?) e o cenário brazuca se abria às mais diversas tendências e gêneros musicais. Dos filhos da bossa-nova e remanescentes da década anterior ao cordel eletrônico, tão bem representado por Alceu Valença, Zé Ramalho e trupe. Do regional caboclo de Almir Satter e Renato Teixeira ao rock de Rita Lee e o Tutti Frutti. Das baladas dolentes de Belchior e o pessoal do Ceará ao vanguardismo dos malditos como Walter Franco, Jards Macalé e Jorge Mautner.
Era um tempo de resistência. Ao obscurantismo da ditadura. Um tempo de lutar pela redemocratização do país.
“Rasgue a camisa/enxugue o meu pranto” – clamava o rock/samba/acariocado “Pérola Negra’, de Luiz Melodia, outro que se foi antes do combinado.
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Houve uma explosão de cantoras, todas com futuro promissor. Lembro que, de uma só tacada, cheguei a comentar o lançamento de 18 discos das novas e promissoras intérpretes – Simone, Zizi Possi, Fafá, Elba Ramalho, Tânia Alves, Joana, Diana Pequeno, entre outras.
Miúcha estava entre as tais.
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Fazia um caminho único.
Na contra mão da contundência daqueles idos, ela se mostrou além do rótulo de irmã de Chico Buarque, ex-mulher de João Gilberto, mãe de Bebel, amiga e parça de Vinicius e Tom em vários shows mundo afora.
Com seu fio de voz, afinadíssimo à expressão de alegria que sempre estampou no rosto, ela nos ensinou que era possível sorrir mesmo num tempo triste como aquele.
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Era possível o sonho.
Que resistir era imprescindível, mas sem nunca abrir mão da ternura.
Era parte da luta ser e se fazer feliz.
Termino com o óbvio: fará imensa falta nesse tempo que se anuncia para o Brasil e os brasileiros.
O que você acha?