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Mulher de trinta

Belinha está em apuros, digamos, afetivos.

Perdeu o bonde e a esperança.

O irmão – gozador que só – diz que está varrendo o chão com os cílios, de tão pra
baixo que está.

Ela ouve – e ri.

Ri sem graça.

Fazer o quê?

Tem o dedo podre, resigna-se.

Escolhe, escolhe; por fim, escolhe sempre o cara errado.

O primeiro foi o primeiro, uma grande paixão.

Um rio que passou em sua vida – e o coração se deixou levar, como diz um antigo samba que o pai ouvia.

Estava na casa dos 18. Foi lindo, arrebatador.

Durou dois, três anos; pouco mais até.

Tem consciência – e aí como se arrepende – o vacilo foi todo dela.

Quis brincar de garota moderninha.

— Você me sufoca.

Pediu um tempo.

Quando deu por si, e quis voltar, ele já estava em outra.

Doeu mais do que pisada de elefante.

Mas, segurou a onda.

Procurou consolo nos velhos discos do pai, em outra canção das antigas.

“Uma mulher não deve vacilar.”

Partiu para outras.

Brincou de ser feliz, nas bocas e nos becos.

Mas, não é dessas.

Sem críticas, com autocrítica.

Não é tão baladeira assim.

Acredite se quiser. Na internet, pescou um carinha que parecia legal.

Se empolgou.

Topou por topar.

O cara era um traste.

Logo percebeu a roubada.

Mas, só se livrou do estropício quase dois anos depois…

Ameaçou até chamar a polícia para recuperar a paz e o sossego.

O pai lhe falou da obra de certo compositor, Gonzaguinha.

Foi tiro e queda a indicação.

“Começaria tudo outra vez, se preciso fosse…”

Reencontrou um velho amigo.

Nunca lhe chamou atenção. Bonzinho e tal…

Sem sal, nem açúcar.

Talvez se fosse mais compreensiva, não exigisse tanto.

Talvez…

Foi aprendendo a gostar do carinha. Bonzinho e tal…

Essa história de amor romântico é para versos e canções.

“A vida realmente é diferente. Quer dizer… A vida é muito pior.”

Pois então…

Não é que agora – quatro anos depois – o inexpressivo resolveu desconversar.

Falar em dúvidas. Que a vida é a vida, e ele quer vivê-la. Não sabe se deve, não sabe se não deve.

Belinha entendeu o recado.

Doeu o coração, mas mandou o praça andar.

Embicando nos 3.0, não quer enrolação.

“Esses moços, pobres moços. Ah! Se soubessem o que sei…”

Quase lhe veio um ataque de fúria. Pensou em descontar a raiva na discoteca do pai.

Quebrar um a um os velhos vinis, trilha sonora de seus ais.

“… Não amavam. Não passavam aquilo que já passei.”

Relevou.

Assim perderia toda a referência de amores idos e vividos.

Além do que, o pai não gostaria nada, nada. Talvez nunca a perdoasse.

E mais – e melhor.

Aquele amigo do pai – charmozão que só – poderia desaparecer da casa.

Pensando melhor estava mais do que na hora de viver uma paixão adulta.

Quem sabe ele não saberia de cor e na prática os versos daquele antigo samba-canção:

“Você, mulher
Que já viveu, que só sofreu
Não minta
Um triste adeus nos olhos seus
A gente vê, Mulher de Trinta
No meu olhar, na minha voz
Um novo mundo, sinta
É bom sonhar, sonhemos nós
Eu e você, Mulher de Trinta
Amanhã sempre vem
E o amanhã pode trazer alguém…”

* Foto: Jô Rabelo

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