Foto: Arquivo Pessoal
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A partir do post de ontem – Rasuras do século 20 – o cantante Eduardo Borga me envia o comentário:
“Bom dia.
Hoje é o amanhã que tanto nos preocupava.
Verdade inquestionável.
Assim como o talento de Gal”.
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Boa observação para matutar sobre o tempo e suas incríveis nuances.
Involuntariamente, volto às aulas do mestrado.
Eu, acadêmico?
“Não orna”, ouvi à época o comentário de outro amigo, o Escova.
“Mas, vai lá e enfrenta. Faça o que tem que ser feito.”
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Tinha 47 para 48 anos.
Andava na entressafra entre o dia a dia (já um tanto desgastado) da Redação e a promissora novidade do magistério.
Sentia-me, assim, um areal de dúvidas e incertezas.
Nunca me passou pela cabeça ser professor.
Sempre achei que tinha mais a aprender do que a ensinar.
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Companheiro de priscas eras na velha redação, Escova já estava fora das tais lides jornalísticas.
Tinha lá seus expedientes para defender o árduo trocado de cada dia.
Dizia-se solidário às minhas decisões, fossem qual fossem.
Ria um riso debochado – e, implacável, sacramentava:
“Faça o que precisa ser feito. Faz do seu jeito, mas faz”.
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Foi assim que enfrentei a volta aos bancos escolares na curva dos 50.
Era uma falação sem fim. Para tudo havia uma teoria. Uma razão, um porquê. Era referencial bibliográfico pra cá, histórico comunicacional pra lá, os saberes da renomada Escola de Frankfurt, o eterno MacLuhan (“O meio é a mensagem”) e cousa e lousa e maripô(u)sa, sempre de olho nas matrizes comunicacionais Latino-Americanas.
Olaiá…
Para tentar resumir, aos meus amáveis cinco ou seis leitores, a minha jornada “em prol do conhecimento”, diria, foi uma travessia, por águas um tanto agitadas, da objetividade do cotidiano das redações para as sutilezas do tablado das salas de aulas.
Diria mais:
Nunca deixei de me sentir um jornalista nos 20 anos que andei pelo campus.
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A bem da verdade, fiz o que pude e do meu jeito (segui o conselho do amigo Escova). Tive a pacienciosa orientação da professora Graça Caldas e o amparo do professor Jacques Marie Joseph Vigneron.
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As aulas do prof. Jacques eram as que mais me provocavam.
Ele era francês, beirava os 70, morava e adorava o Brasil.
Fez doutorado em Paris com um bacana de renome mundial.
Mas, ele, Jacques, era de uma simplicidade a toda prova.
A disciplina que ministrava era a de Educação à Distância e Novas Tecnologias.
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Foi dele que ouvimos, perplexos, o primeiro arrazoado de como seria o mundo em meados do Terceiro Milênio.
Seríamos mais individualista.
– Como assim?
Viveríamos preferencialmente em casulos.
– Casulos?
Os avanços tecnológicos seriam estupendos.
– Uia!
Estaríamos conectados, mas não necessariamente juntos de forma presencial.
– Computador pra todo mundo?
É muito provável que trabalharíamos em nossas próprias casas, com nossos próprios horários.
– E os colegas de trabalho, como encontraríamos?
Teríamos mais tempo livre.
– Parece bom!
“A Comunicação – prevenia-nos – será o centro de todos os poderes. Para o Bem ou para Mal.”
Depende de como e para quais fins será utilizada.
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Outra previsão do prof. Jacques:
“Jornais e revistas impressos tendem a desaparecer em 20 ou 30 anos”.
“Impossível!” – profetizei, desassossegado.
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Levamos o semestre todo na vã tentativa de desvendar caminhos e atalhos que nos levariam ao que hoje chamamos de “Novo Normal”.
Leituras, pesquisas, entrevistas com especialistas de variadas áreas e, muita, mas muita, discussão em sala de aula sob a batuta e os olhares generosos do prof. Jacques.
Era inevitável que, aqui e ali, mostrássemos nossos temores, nossas apreensões.
Eu era um dos mais relutantes.
Como viver sem os quatro jornais diários e as duas revistas semanais que assinava?
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A esses medos, Borga e amigos leitores, o mestre nos acalmava e serenamente esclarecia:
“Não será de um dia para o outro. Mas, será. Os avanços são contínuos, inevitáveis e só podem nos fazer a Humanidade melhor. A questão é: o homem, este, sim, é quem vai determinar o rumo do futuro assim como hoje faz no presente”.
Lembro-me de um dos seus mais emblemáticos exemplos:
“Vejam bem. Sou professor de Ensino à Distância, ok? Mesmo assim, a chefia do curso deste portentoso pós-graduação, me faz vir todo dia bater ponto na Universidade. A tecnologia não tem culpa do nosso atraso.”
Ou seja, como diria o Escova:
“Não orna”.
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O que você acha?