Fiz todo um preparo psicológico para enfrentar a fila de sócio-torcedor Avanti na manhã de sábado.
Como meus caros cinco ou seis amáveis leitores devem imaginar, o objetivo é óbvio: retirar a carteirinha para, posteriormente, tentar comprar um dos ingressos para a estreia da Allianz Parque na noite desta quarta-feira.
Cheguei cedo – por volta das 8 horas. Havia por ali uns 50 torcedores já devidamente enfileirados e ansiosos para conseguir a dádiva de ser testemunha ocular de mais um capítulo da bela história do Palestra (ainda que recentemente não vivemos lá um grande momento).
O horário de funcionamento começaria às 9 horas.
Estava tudo nos conformes.
Não havia muvuca (até então), e este era minha única apreensão.
Vi quando dois rapazes da administração começaram a distribuir as senhas para o atendimento – e me animei. Parece que a coisa andaria sem sustos. Havia alguma organização por ali.
A rapaziada da fila só se alterou quando se abriram os portões do estacionamento e, de lá, saiu o ônibus com a garotada do sub-20 que enfrentaria o São Paulo, na rua Javari, pelas semifinais do campeonato paulista.
— Vamos lá, garotada. Vamos acabar com os bambis.
— Precisam de um atacante aí? Tô meio gordinho, mas me garanto.
— Onde vai ser o jogo?
(A partida foi na rua Javari, empatou em 2 a 2 e o Palmeiras se classificou e agora pega o Santos na final.)
Restabelecida a normalidade, chegou minha vez de receber a senha.
Tive uma agradável surpresa.
– O senhor tem mais de 60, é prioridade. Pode aguardar junto àquele portão, lá na frente.
II.
Logo me junto a outro dois torcedores veteranos.
Não demora em engatarmos uma conversa – e obviamente despencar para os áureos tempos do Palmeiras-campeão.
Falamos de Julinho, Chinesinho, Djalma Santos e outros daqueles idos pré-Academia.
Lembramo-nos até do gaúcho Ênio Andrade.
Mas, paramos mesmo para falar e reverenciar o grande Aldemar, quarto-zagueiro campeão em 1959, naquele super tira-teima com o esquadrão do Santos.
Concordamos em gênero, número e grau. O carioca Aldemar foi o melhor marcador de Pelé que nós três vimos jogar. Era classudo, não dava um pontapé sequer, e sabia sair jogando.
Teve uma carreira curta, mas seguramente está entre os ‘eternos’ do Verdão.
– Acho que ele nunca foi convocado para a seleção – perguntou um deles.
– Naquele tempo, chegar à seleção era muito difícil – disse o outro. – A concorrência era grande: o Orlando no Vasco, o Dias no São Paulo, o Zózimo no Bangu, o Calvet no Santos…
– O Calvet era dessa época? – pergunto.
Ficamos na dúvida, fazendo contas, puxando pela memória.
III.
Na fila ao lado, um garoto de seus nove ou dez anos, ouvia a nossa conversa de vozinhos e decidiu participar.
Puxou o celular, consultou o Google ou sei lá o quê, e tascou em segundos.
– Raul Donazar Calvet chegou ao Santos em 1961. Era um jogador técnico, elegante. Encerrou a carreira aos 30 anos após romper o tendão de aquiles. Sobre o Aldemar que vocês conversaram, jogou no Palmeiras e depois no Santa Cruz e em outros times menores. Morreu atropelado no Rio de Janeiro em 1977.
Diante da nossa perplexidade e do orgulhoso papai ao lado, o garotão arrematou vitorioso:
– Mais alguma dúvida?