VI.
Amiga,
Citei essas produções para melhor ilustrar nossa conversa. Há aí três baitas lições de vida que, muitas vezes, preferimos não ver.
Em O Marido da Cabeleireira, a própria resolve por um fim àquele envolvimento por um motivo simples. Aquele foi um instante único e pleno. Mágico entre colônias e lavandas. Não se repetiria. Não mais com aquela intensidade e luz.
É até difícil escrever – e entender. Não há encantamento amoroso que resista aos altos e baixos do dia-a-dia. É inevitável.
O olhar triste da moça vinha daí. Não gostaria de ver, outra vez e gradativamente, o amor se desvanecer.
Nada, nada. É a mesma temática de O Perfume de Lucyenne. O imprevisível príncipe transformou-se num tedioso sapão. Tem cabimento? Ela a enfrentar o próprio sonho em Hollywood e o lindo, entregador de pizza. Cadê o tom de sedução que sempre procuramos no ser amado? E depois se ela própria fosse uma canastrona. O que fariam? Levariam uma vida entre a farinha, a mussarela e o forno à lenha.
Não pensou duas vezes. Deu área…
Puerto Escondido, por sua vez, mostra que sempre e sempre, sejam quais forem as circunstâncias, o homem tem essa capacidade de reinventar a vida – e isso me parece muito bom. Não existe uma única forma de ser feliz.
Felizmente , eu diria…
VII.
Isto posto, tentarei responder a pergunta que, lá no começo, encerra a parte um.
Assim:
O encontro virtual diário, parece-me, nada mais é do que um Puerto Escondido e bem mais seguro. Os dois tiveram – ou foram forçados a ter — uma praticidade de fazer inveja a Lucyenne. E, por fim, não correm quaisquer riscos de quebrarem o encanto e a cara. Têm sempre à mão um ‘amor eterno’ que foi sem nunca ter sido. Basta dar um clique e ‘viajar’ telinha adentro.
Como dizia um nobre deputado, está bom para os dois. Então, divirtam-se.
VIII.
De resto, cara amiga, só quero dar mais um pitaco. Nós, pobres e limitados humanóides, vivemos uma grande – vastíssima – contradição. Ao mesmo tempo, queremos viver um grande amor, com riscos e sobressaltos inerentes ao tamanho da encrenca. Mas, não abrimos a guarda para algo que pode nos tirar da adorável rotina de uma vida comum. Dessas bem pacatas mesmo, como nos cobram os amigos e as convenções…
Enfim, é isso…
IX.
* Nota do Autor
Aviso importante.
Pare por aqui se não quiser saber o fim dos três filmes.
01. O Marido da Cabeleireira – A mulher começa a cortar o cabelo do marido por falta de clientes que ousassem enfrentar a manhã de chuva torrencial. Os perfumes e as carícias logo se transformam num ato de amor intenso, envolto a lavandas e perfumes. Um ritual mágico. De repente, a mulher sai em plena chuva e se atira na correnteza para perplexidade dos espectadores. Ela preferiu dar fim a vida a enfrentar novamente o fim gradativo de um grande amor.
02. O Perfume de Lucyenne – A bela Lucyenne achou por bem aceitar o assédio de um milionário gosmento que a perseguiu durante todo o filme. Fugiu com ele naquela mesma manhã e deixou o bonitão sem nada entender. Acabou o encanto – e o dinheiro.
03. Puerto Escondido – Aos poucos, o italiano vai se adaptando à vida naquela praia lindíssima. Passa a valorizar as coisas simples da vida – a liberdade de ser o que se é, as amizades sem interesse, o por do sol. Quando, por fim, se desfaz o engano, ele prefere continuar por lá…
Eu avisei. Só chegou até aqui quem quis. De qualquer forma, vale a pena assistir aos três filmes e viver um grande e definitivo amor. No mínimo, no mínimo, queremos alguém que escute e acredite em nossas prosas. E que esteja ao nosso lado, mesmo a milhares de quilômetros de distância. Não é assim?